Porque razão é importante trabalhar com as grande empresas…
Artigo de opinião – Matthew Glover – Co-Fundador do Veganuary
Algumas pessoas no nosso movimento escolhem boicotar e fazer campanha contra grandes companhias que neste momento exploram animais. Estes activistas têm preocupações com:
- a ética destas companhias.
- o tipo de comidas que produzem (tais como processadas, em vez de WFPB (baseada em vegetais integrais não processados)
- como são produzidas
- e como são embaladas
Eu simpatizo com estas opiniões e partilho a dor, raiva, e frustração em relação à forma como este mundo trata os animais. Mas para atingir a libertação animal acredito que precisamos de trabalhar dentro do sistema actual, e não estar a sempre a tentar lutar contra ele.
Vamos imaginar que o rectângulo preto em baixo representa as indústrias globais de carnes, lacticínios e ovos.
Se agora compararmos isto com o sector de alimentos vegetais (as companhias que fabricam substitutos para a carne, lacticínios e ovos), então o quadrado branco sobreposto ao preto dá alguma ideia da escala do desafio.
O sector dos alimentos vegetais é substancialmente menor, e provavelmente ainda mais pequeno do que sugeri. Ora, muitas destas companhias são na realidade propriedade (pelo menos em parte) das indústrias da carne, lacticínios e ovos, ou de outras companhias ou indivíduos com os quais podemos sentir que temos divergências éticas.
Portanto, se examinarmos melhor as empresas 100% éticas que criam substitutos para a carne, lacticínios, e ovos, o quadrado branco seria muito mais pequeno.
Assumindo que estas empresas veganas 100% éticas cresçam 10 vezes mais nos próximos 10 anos, então acharíamos todos que isto seria fantástico e um sinal claro de que o movimento vegano está a ganhar! Mas continuaria a ser muito pequeno comparado com as indústrias da carne, lacticínios e ovos.
E com a previsão do aumento global dos produtos animais nos próximos anos então as indústrias da carne, lacticínios e ovos também se expandem. O rectângulo preto fica na realidade maior:
Apesar de a taxa de crescimento não ser tão rápida como a das empresas veganas 100% éticas, devido ao peso das indústrias da carne, lacticínios e ovos, na realidade perdemos terreno. Há mais animais a serem mal tratados apesar do enorme aumento das empresas veganas 100% éticas.
Não estou a dizer que não devemos apoiar as empresas veganas. Claro que devemos! A ironia é que, como me dizem muitos empresários veganos, as grandes companhias estão a ajudar a criar procura pelas opções de base vegetal e na realidade isso aumenta a sua própria base de clientes!
De qualquer forma, o que é uma empresa vegana 100% ética?
Existirão empresas veganas 100% éticas? Será que só têm empregados veganos? Será que os seus trabalhadores gastam o seu salário em empresas “antiéticas”? Comprarão ingredientes de companhias menos éticas? Qual será o seu banco? A que nível se fará a distinção entre 100% éticas e as outras?
E, talvez de forma ainda mais importante, será que estas empresas mais éticas alguma vez crescem suficientemente rápido para criar um mundo vegano?
Esta é a situação actual. Esta imagem muito partilhada mostra como 10 companhias controlam quase todas as marcas de comidas e bebidas no mundo.
Crédito da imagem: Oxfam
Cada uma destas companhias — Nestlé, PepsiCo, Coca-Cola, Unilever, Danone, General Mills, Kellogg’s, Mars, Associated British Foods, e Mondelez — emprega milhares e tem milhares de milhões de dólares em receitas todos os anos. Elas controlam a maioria dos produtos que vemos nas prateleiras dos supermercados.
Grande Indústria da Carne
Se olharmos para as quatro maiores empresas de carne nos EUA, os seus lucros combinados estão acima de 210 mil milhões de dólares. (Cargill 109.7 mil milhões, JBS 49 mil milhões, Tyson 38.1 mil milhões, Smithfield 14 mil milhões). Em comparação, quatro das maiores empresas de substitutos de carne que operam nos EUA têm lucros combinados de menos de mil milhões de dólares (Gardein 150 milhões (estimativa), Follow Your Heart 50 milhões, Field Roast 38 milhões, Tofurky 25 milhões (estimativa). A Beyond Meat e a Impossible Foods ainda são empresas relativamente recentes e portanto ainda não há valores disponíveis online.
Então, imaginemos que nos próximos 10 anos estas quatro companhias de comida vegana crescem 10 vezes – então os seus lucros combinados seriam algo à volta de 2,6 mil milhões. Representaria um crescimento impressionante, e eu espero que aconteça isso! Vamos também imaginar que as quatro principais companhias de carne crescem à taxa mais lenta de apenas 10% durante o total dos 10 anos. Isso significaria que as suas receitas cresceriam de 210 mil milhões para 231 mil milhões. Isso é um crescimento 10 vezes maior do que o das quatro empresas veganas, e se essas empresas continuarem a vender principalmente carne, então isso são imensos animais mortos apesar do incrível crescimento das empresas veganas. (Percebo que há outros factores em jogo, mas estou a tentar simplificar para demonstrar como as coisas são)
Restaurantes
Vamos pensar nas cadeias de restaurantes. Em conjunto, McDonald’s, Subway, KFC, e Burger King têm mais de 100.000 restaurantes no mundo inteiro. Não há muitos franchises de restaurantes veganos, mas se examinarmos a Loving Hut, Veggie Grill, e a Native Foods então há cerca de 200 restaurantes. Mais uma vez, se as cadeias de restaurantes veganos cresceram 10 vezes nos próximos 10 anos, e as quatro maiores cadeias de restaurantes que servem carne crescerem apenas 10%, continuaríamos a ver um aumento do número de animais a serem maltratados.
Pelo mundo todo, há 15.000.000 restaurantes mas de acordo com a Happy Cow, cerca de 6.300 restaurantes veganos. Portanto os restaurantes veganos representam apenas 0,04% de todos os restaurantes. O número de restaurantes veganos está a crescer rapidamente, e procuro-os e apoio-os sempre que posso. Mas, temos de compreender que os 14.993.700 restaurantes que actualmente servem produtos de origem animal são o local onde a nossa advocacia se deve centrar.
Supermercados
No Reino Unido, 10 empresas controlam cerca de 96% do mercado grossista.
Os independentes têm 1,8% do mercado, e outras cadeias outros 1,8%. As lojas veganas 100% éticas representarão uma pequena fracção do sector de “outras cadeias”.
Não há grandes supermercados veganos no Reino Unido, e não é provável que haja algum no futuro próximo. A maior parte de nós não pode evitar gastar dinheiro nestas 10 grandes empresas. O caso é semelhante ao de outros países.
Será que boicotar as grandes empresas é mau para os animais?
Boicotar estas companhias, e fazer campanha contra elas pode dar-nos uma consciência menos pesada, mas será a coisa certa a fazer? E será que resulta sequer?
Olhemos estes exemplos recentes…
Em Julho de 2017, o queijo vegano Daiya foi comprado pela Otsuka por 325 milhões de dólares. Nessa altura, muitos veganos ficaram zangados porque isto era uma grande empresa farmacêutica, que, como todas as grandes empresas farmacêuticas, testa em animais. Vi muitas pessoas afirmar publicamente que não iriam mais comprar produtos Daiya. Alguns retalhistas disseram que iriam retirar os produtos Daiya das suas prateleiras. As pessoas sentiram-se traídas.
Como resultou isto para a Daiya? Bem, apesar do boicote dos veganos, as vendas aumentaram muito! Com este novo investimento, expandiram-se para uma fábrica maior, de 37.000 metros quadrados, empregaram pessoas, e estão a caminho de gerar mil milhões de dólares em receitas. Isto são óptimas notícias para as vacas.
Em 2016, a Tyson Foods (uma grande empresa de carne), comprou 5% da Beyond Meat. Muitos veganos ficaram muito chateados com isto. “A Beyond Meat vendeu-se ao inimigo!”, exclamaram alguns.
Mas, se estamos focados em reduzir o sofrimento animal, isto foi uma óptima jogada. A Tyson começou a ver-se a si própria mais como uma “empresa de proteína” do que uma “empresa de carne”. Nessa altura o CEO da Beyond Meat, Ethan Brown, escreveu por que razão dava as boas-vindas à Tyson Foods como investidor e afirmou:
Será que acho que a Tyson e os seus executivos são o inimigo porque têm uma perspectiva radicalmente diferente do nosso relacionamento com os animais? Não acho. Eu percebo que isto possa desapontar muitas pessoas. Na realidade, tenho verificado que os executivos da Tyson com quem interagi são pessoas de princípios e construtivas. É verdade que as suas crenças não se coadunam com as minhas crenças relativamente aos animais. No entanto, isso também é verdade para as pessoas da minha família alargada, a vasta maioria dos meus amigos, colegas, vizinhos, e muitos outros que respeito muito, e todos eles comem carne proveniente de animais. A boa notícia é que a Tyson e eu podemos concordar — e concordamos — em muitas coisas incluindo: a necessidade de proteína sustentável para uma população global crescente; que a inovação pode alimentar o crescimento e o lucro; e que as empresas servem melhor os clientes oferecendo a possibilidade de escolher.
Desde então, a Tyson aumentou a sua percentagem na Beyond Meat, e também investiu na Memphis Meats (outra empresa de carne não-animal). Desde 2016, a Beyond Meat tem aumentado a produção, desenvolvendo novos produtos (tais como a Beyond Sausage) e em breve irão lançar-se internacionalmente. Isto é um produto que os não-veganos gostam e que tem o potencial de mudar as “regras do jogo”, encorajando mais pessoas a adoptar uma alimentação vegana.
A Danone é o maior fabricante mundial de iogurte, que comprou a Whitewave Foods em 2016 for 12,5 mil milhões de dólares, e juntamente com isso as marcas de produtos vegetais Alpro, Silk, e So Delicious. Muitos veganos ficaram descontentes com isto. “Outra empresa vegana vende a sua alma!” As pessoas ficaram preocupadas que os lucros das bebidas vegetais pudessem significar que mais animais seriam explorados na secção de lacticínios da Danone.
Então, o que aconteceu desde a aquisição? Em 2017, a Danone divulgou os seus resultados financeiros e os lucros da companhia cresceram principalmente devido aos produtos Whitewave. As vendas na divisão de lacticínios (marcas como Activia & Actimel) desceram 2.3%, mas os leites vegetais atingiram um crescimento de dois dígitos. Agora imagina que estás sentado na sala do conselho executivo da Danone a falar sobre a futura direção da companhia, será que pensarias que seria melhor investir em lacticínios cujas vendas estão estagnadas ou a declinar, ou em leites vegetais cujas vendas atingem um crescimento excelente? Eu sei o que faria…
Será que os lucros ao longo do tempo da indústria dos lacticínios serão na realidade usados para investir num futuro à base de plantas? Será que companhias como a Danone irão acelerar a adopção de bebidas vegetais mais rapidamente do que empresas veganas 100% éticas? Eu acho que sim.
Para muitos veganos, a McDonalds é o símbolo de uma má companhia. Apesar de muitos restaurantes por todo o mundo servirem animais mortos, a McDonalds é a pior. Portanto, quando conceberam o McVegan na Finlândia e na Suécia durante o Veganuary (mês de promoção do veganismo), algumas pessoas ficaram muito chateadas.
Mas, eles têm 36.900 restaurantes. Muita gente come lá (de facto venderam 150.000 McVegans apenas em Janeiro). De cada vez que uma pessoa escolhe um McVegan em vez de um Big Mac, então isso é uma vitória para os animais. A McDonalds não vai desaparecer, portanto a melhor coisa que podemos razoavelmente esperar é uma mudança gradual.
Os tempos estão a mudar…
As boas notícias é que cada vez mais pessoas veem os benefícios para os animais de abordar positivamente as empresas.
Este ano a ProVeg International e a HSUS organizaram a “Cimeira de Comunicação com Empresas 50by40” em Berlim. Reuniu ONG’s de mais de 30 países para discutir estratégias para influenciar as empresas para acrescentarem mais opções de base vegetal.
Foi fantástico participar nisto. Há uma excelente revisão do evento aqui.
Com o sucesso do Veganuary, temos visto que as grandes marcas e as grandes empresas têm empenho em falar connosco. E há algumas empresas grandes como a Unilever que me convidaram para falar sobre veganismo num “Dia de Imersão no Flexitarianismo”, que eles organizaram. Então, tirei uma selfie:
Atrás de mim, podem ver os gestores de várias marcas da Unilever como: Pot Noodle, Hellman’s, Marmite, Bovril, Colman’s, Knorr e Red Red.
O que descobri da minha presença neste evento foi:
- A Unilever tem pessoas realmente simpáticas.
- Muitas das pessoas têm valores semelhantes aos nossos e preocupam-se com o meio ambiente, a saúde, e o bem estar animal. Um dos desenvolvedores de produtos estava a ler o livro “Comer Animais” de Jonathan Saffron Foer, e estava a pensar em tornar-se vegano.
- Estão a levar os alimentos de base vegetal muito a sério e vão designar 2019 como “O ano dos produtos de base vegetal”.
Isto é progresso! E tenho mais reuniões de acompanhamento marcadas com outras figuras importantes da Unilever, que têm interesse em aprender sobre esta tendência em crescimento. A Unilever tem vendas anuais de mais de 50 mil milhões de euros, portanto se estão a examinar seriamente o mercado “baseado em plantas”, deveremos apoiá-los completamente.
Encontrei-me com a equipa de trabalho Greencore. Eles fazem 690 milhões de produtos alimentares para levar para fora (sanduíches, wraps, sushi) todos os anos, e fornecem a maior parte dos supermercados, cadeias, lojas dos postos de abastecimento de gasolina, e lojas de conveniência. Eles têm observado que os seus consumidores (os supermercados) estão a pedir mais opções veganas, porque os consumidores os têm pedido. Se todos os veganos boicotassem os supermercados então o aumento da procura não seria visível, e a Greencore nunca me teria pedido para ir falar com eles. E, o resultado geral é obter mais espaço de prateleira para produtos de origem vegetal para levar para fora, para que os não-veganos possam escolhê-los em vez das versões com alimentos de origem animal. Uma vitória para os animais! Também torna mais fácil as pessoas manterem-se veganas. A principal razão por que os participantes do Veganuary voltam a comer produtos de origem animal, é a dificuldade de comer fora e a acessibilidade da comida vegana.
Também me tenho encontrado recentemente com outras companhias de serviços alimentares, supermercados, e cadeias de restaurantes, e como uma organização em crescimento esperamos poder usar a nossa posição ainda mais nos próximos anos, para os influenciar a serem mais baseados em plantas.
Sim, devemos! 100%
Se estas empresas tiverem lucros do crescimento dos produtos veganos, tornar-se-ão menos resistentes à evolução “baseada em plantas”. Os lobbies da carne, lacticínios e ovos são muito poderosos, mas à medida que a dependência financeira da venda de produtos alimentares destas empresas diminui, enquanto os lucros da venda de produtos veganos aumentam, podemos esperar uma mudança nas suas atitudes. Já estamos a ver isso e irá crescer ainda mais.
De facto, não me parece que consigamos fazer isto sem eles.
As grandes empresas têm:
- Economia de escala
- Dinheiro para investir
- Enormes orçamentos publicitários
- Infraestrutura (armazéns, veículos de entrega, e todos os sistemas a funcionar)
- E têm mais pessoal.
Podem acelerar a pesquisa e o desenvolvimento e ter mais poder ao nível governamental, para conseguir uma mudança.
Devemos ver as grandes companhias como as nossas aliadas potenciais. E temos de ajudar estas companhias a evoluírem para algo diferente… algo melhor!
Parece que é da natureza humana precisar sempre de inimigos. Alguém para culpar. E para muitos, a libertação animal é uma luta. Eu entendo isso. Mas antes de nos apressarmos a fazer julgamentos sobre estas empresas, talvez devamos praticar a “opinião lenta”.
- Vamos tentar ver a perspectiva da outra parte.
- Não seremos leitores de mentes – nem sempre sabemos como são as intenções das outras pessoas ou das outras empresas.
- Teremos uma mente aberta.
- Vamos lembrar-nos que a maior parte de nós também tomou parte, por vontade própria, na exploração de animais.
Mesmo que não estejas convencido e desejes continuar a boicotar as grandes companhias, pelo menos evita criticar quem deseja apoiá-las a tornarem-se mais baseadas em plantas.
[Isto é uma versão em blog de um discurso que fiz no Vevolution Topics em Londres em Junho de 2018].
Tradutor: João Madureira
Artigo traduzido com o consentimento do autor.
Artigo original: https://veganuary.com/blog/unilever-mcdonalds-kfc-are-not-the-enemy/