Por Tobias Leenaert para Plant Based News
YouTuber Kalel iniciou uma conversa com seus vídeos (Foto: YouTube)
A estrela do Youtube Kalel (1,8 milhão de seguidores!) criou um pouco de tempestade na veganlândia recentemente, quando declarou * que, embora ela se considere vegana, ela não é perfeita.
Kalel admite comer doces não-veganos e pipoca de cinema de vez em quando. E ela usa um perfume, um item de maquilhagem e uma gilete que não são veganos (ela está à procura de alternativas para tudo isto).
Outros veganos (mais veganos) não mediram as suas palavras: a Kalel não sabe o que é o veganismo. Ela não se pode chamar de vegana, ela nunca foi uma. Ela mentiu-nos ao dizer que era vegana. Ela não se importa com os animais, apenas quer o rótulo. Ela só quer saber de si mesma e quer atenção. Ela é mimada. E assim por diante.
Eu não tinha ouvido falar da Kalel antes de tudo isto, e eu só vi dois dos seus vídeos. Mas pelo que vi, estou impressionado.
Lutando contra o estereótipo do vegano perfeito
Ao admitir que ela não é 100% vegana, a Kalel queria iniciar uma conversa sobre a expectativa de ser o vegano perfeito (o título deste artigo é uma citação tirada de um de seus vídeos).
Ela diz: “Eu quero lutar contra o estereótipo de que tens que seguir todas essas regras para te chamares de vegano. As pessoas não precisam de se sentir culpadas porque ainda têm cinco coisas não veganas”.
A Kalel acredita que há muitas pessoas que se dizem veganas, mas que não são 100 veganas perfeitas como ela. Mas, segundo ela, poucos se estão a atrever a falar sobre isso.
Problema?
Eu sei do que ela está a falar. Afirmei publicamente que, fora de casa, dou ao vinho e pão o benefício da dúvida (ou seja, eu consumo-os mesmo que não saiba e não consiga descobrir se são veganos ou não. – E sim, Eu sei sobre site da Barnivore).
Obviamente, algumas pessoas disseram-me que eu não sou vegano por causa disto (mesmo depois de 20 anos a evitar produtos de origem animal). Muitos outros me disseram que fazem o mesmo que eu, e que sou corajoso (sim, corajoso), para admitir isto publicamente.
Mas se admitir – como a Kalel fez – que não somos cem por cento perfeitos precisa ser chamado de “corajoso”, temos um problema no nosso movimento vegano.
Uma conversa
Eu partilho da preocupação da Kalel. Acho que precisamos de conversar sobre o perfeccionismo no veganismo. E não, não é porque eu ‘preciso de me esforçar’, como vegano.
É por dois motivos. Um é parar com as lutas internas e de julgar os outros veganos sobre se eles não são veganos, ou se não são veganos o suficiente – porque isto irá principalmente desencorajá-los. O segundo é ainda mais importante: queremos apresentar o veganismo como algo fácil, e não como algo muito difícil.
Eu ouço-vos, vocês acham fácil (como eu), mas não se enganem: para a maioria das pessoas, tornar-se vegano ainda é muito difícil – caso contrário, haveria muito mais veganos do que há agora. Mais do que isso: até manter-se vegano é difícil para muitos. Sabemos de várias pesquisas que muitos vegetarianos e veganos – incluindo aqueles que o fazem por razões éticas – saem do comboio depois de um tempo.
A Kalel falou sobre ter medo de revelar os seus hábitos não-veganos. (Vídeo indisponível)
O menor clube do mundo?
Às vezes tenho a impressão de que o veganismo quer ser o menor clube do mundo. Alguns de nós querem colocar o preço da cota tão alto que quase ninguém pode participar. Nós jogamos de polícia vegana e tiramos o cartão vegano de qualquer um que admita comer um pedaço de bolo com ovo uma vez por ano, enquanto todo o resto do seu consumo é vegano.
Essas pessoas – apesar de estarem muito mais próximas de serem veganas do que qualquer outra coisa – deveriam se chamar vegetarianas! Deus não permita que eles usem nosso rótulo vegano!
Eu entendo, pessoal. Essa única excepção não só acarreta o sofrimento dos animais, como também tememos que o efeito não seja claro e consistente sobre os não-veganos. Temos medo de que nos acusem de sermos hipócritas. E tememos que eles fiquem confusos.
E se a consistência for sobrestimada?
Quanto aos não-veganos tentarem encontrar lacunas no nosso comportamento, e usá-las como uma desculpa para não fazerem nada eles próprios: certamente algumas pessoas irão fazer esses joguinhos.
Tenho a sensação, no entanto, de que a preocupação com a consistência está mais na mente dos veganos do que nos comedores de carne. Seria óptimo fazer alguma pesquisa sobre isto, mas e se os não-veganos apreciassem mais um pouco de flexibilidade e uma minúscula porção de indulgência do que super-consistência?
A sugestão de que há um pouco de margem, que não se trata de alguma forma de pureza quase religiosa, pode ser útil para reduzir o sofrimento dos animais. E poderemos ser menos escrutinados e atacados por não-veganos se desistirmos da pretensão de perfeição.
Confusão não deveria ser nossa preocupação
E sobre essa confusão. E se a Kalel espalha – como ela faz – o seu conceito “confuso” de veganismo para as massas. E se todos adoptassem sua versão do veganismo e fossem … apenas 98% veganos ?!
Isso seria uma coisa má? Claro que não. Se o mundo inteiro pudesse ser até 80% vegano, as atitudes mudariam massivamente, os produtos de origem animal tornar-se-iam muito mais caros e o mundo seria tão vegano quanto vocês quisessem em pouco tempo.
Será que aceitar ‘98% veganos’ como veganos tornaria o movimento mais atraente para as massas?
98% vegan
Acho que devemos aceitar 98% veganos – pessoas como a Kalel – como veganos.
Se vocês não concordam, ok.
Mas, pelo menos, permitam que eles se chamem 98% veganos (ou 90% ou qualquer outra coisa). Este é um conceito útil, mas mesmo isto é recebido com resistência. ‘Tu não pode ser 95% vegano, assim como não podes estar grávida 95%’, oiço muitas vezes. Mas lamentavelmente, este pensamento preto e branco não ajuda os animais.
A identidade vegana parece ser uma das identidades mais binárias que podemos encontrar. Aceitamos variedade nas identidades religiosas e políticas e, felizmente, até de gênero hoje em dia. Podemos ser menos ou mais católico, menos ou mais liberal ou ambientalista, menos ou mais homem ou mulher. Mas só podemos ser vegano ou não-vegano?
Se o consumo de alguém é 98 ou 99 por cento vegano, e eles se importam o suficiente para se identificarem como vegano, não é completamente tolo e improdutivo dizer-lhes que não são? Pensem também, das muitas pessoas que falariam sobre o veganismo e o divulgariam no mainstream (como a Kalel), mas que outros veganos (mais veganos) gostariam de impedir de fazer.
Onde está a vitória nisto? Onde está a vitória em policiar toda a gente e deixar menos pessoas falarem sobre o veganismo?
Veganismo para as massas
Eu encorajaria a Kalel a não abandonar o rótulo vegano para si mesma. Ou ficamos com uma pessoa a menos a difundir o conceito. E, além disso, se pessoas sensatas como ela desistirem disto, a questão é se apenas defensores radicais, a preto e branco farão um trabalho melhor defendendo o veganismo para as massas … E é com a nossa defesa em relação aos outros, e não com o nosso consumo próprio, que potencialmente temos o maior impacto para os animais.
Alguns veganos irão opôr-se rapidamente: mas se permitirmos que um vegano a 98% se chame vegano, poderíamos dizer que qualquer um é vegano.
Isso obviamente não é nada do que estou a sugerir. Há uma linha em algum lugar – e o facto de não a podermos identificar exactamente, não torna o meu argumento menos válido.
Não é porque não podemos dizer exatamente quando uma colina se torna uma montanha que não há diferença entre as duas.
É possivel ser 100% vegano?
100% vegano?
Finalmente, é verdade que ninguém é 100% vegano. As pessoas que dizem que nunca consomem intencionalmente qualquer coisa derivada de animais podem ainda estar a escolher não saber certas coisas.
E se eu vos disser que as empresas usam abelhas para a fertilização de muitas das frutas e legumes? Vocês vão começar a verificar isso, ou usar apenas vegetais da vossa própria horta? É tecnicamente “praticável e possível”, e algumas pessoas, que estão a fazer exatamente isso, poderiam dizer-vos – queridos muito veganos – que vocês são … não veganos.
Sim, para cada vegano vocês podem encontrar um vegano que seja mais vegano.
Mais uma coisa. É muito mais fácil aplicar o termo vegano a refeições e produtos do que a pessoas. Uma refeição ou um produto é vegano se não contiver produtos derivados de animais. Quando exatamente é uma pessoa vegana? É muito mais difícil dizer. Sou a favor da aplicação de critérios rígidos para refeições e produtos, mas apoio um conceito mais difuso quando falamos de pessoas.
O enquadramento geral
Caros veganos, os detalhes são para mais tarde. Haverá um dia em que vocês poderão ver os detalhes que quiserem. Por enquanto, vamos olhar principalmente para o enquadramento geral. E esse enquadramento, como Kalel diz tão eloquentemente, é de oferta e procura.
Isto é, penso eu, como funciona: além de aumentar a consciencialização, temos que tornar o ser vegano muito mais fácil ainda. Qual é o caminho para fazer isto? Expandir e melhorar as alternativas a produtos animais. Torná-los mais baratos, melhores, mais convenientes, disponíveis em todos os lugares.
Como isto acontece? Pelo aumento da procura. De onde vem essa procura? De um por cento de veganos, cinco por cento de vegetarianos e especialmente de (em muitos países) mais de 25 por cento de reducitarianos. Todas essas pessoas com seus diferentes graus de redução (ou eliminação) juntas, estão a criar uma sociedade na qual se torna mais fácil mudar para o veganismo em tempo integral.
Vamos apreciar cada passo que as pessoas dão. Vamos ver todos que fazem um esforço sério como sendo parte da solução e não do problema. Vamos-nos unir pelo que temos em comum, em vez de criar divisão sobre os detalhes que não compartilhamos. Vamos aceitar que as pessoas preencham o veganismo de maneira um pouco diferente, que a tua definição não é a minha definição e que a tua prática não é a minha prática.
E acima de tudo, vamos ser generosos e acreditar nas boas intenções um do outro. Estamos todos nisso para criar um mundo melhor.
Tradução: Maria Campos
Artigo traduzido com a permissão do autor.
Artigo original: https://www.plantbasednews.org/post/opinion-vegans-we-gotta-break-through-this-100-perfect-sh-t