por Heather McLeod Grant & Leslie R. Crutchfield
A sabedoria convencional diz que a expansão da inovação social começa com o fortalecimento dos recursos de gestão internos. No entanto, este estudo, levado a cabo por 12 organizações sem fins lucrativos de alto impacto, mostra que a mudança social real acontece quando as organizações ultrapassam os próprios muros e encontram maneiras criativas de obter ajuda de outras entidades.
Em menos de duas décadas, o Teach for America ultrapassou a situação de startup em dificuldades para se tornar numa força poderosa na reforma educativa nos Estados Unidos. Esta organização, lançada em 1989 pela graduada Wendy Kopp, com um pequeno orçamento, instalada num escritório emprestado, atrai actualmente muitos dos melhores e mais brilhantes graduados do país, que se dedicam durante dois anos a ensinar nas escolas públicas mais necessitadas da América em troca de um salário modesto. Só na última década, o Teach for America mais do que quintuplicou a sua dimensão, aumentando o seu orçamento de US $ 10 milhões para US $ 70 milhões e alargando o número de professores de 500 para 4.400. Além disto pretende duplicar, de novo, a actual dimensão nos próximos anos.(1)*
Este crescimento rápido é apenas parte da história do Teach for America, de Nova York. Embora o seu sucesso possa ser medido por dados concretos tais como o número de professores que coloca ou as verbas que arrecada, a conquista mais significativa da organização, talvez seja o movimento de reforma educativa a que deu origem. Embora alguns líderes educacionais apresentem críticas ao programa de formação de professores da organização sem fins lucrativos e pelo tempo que esses professores permanecem na sala de aula, a análise destas medidas perde o impacto relativamente aos resultados obtidos pela organização. A Teach for America desafiou as ideias dos americanos sobre a formação e creditação de professores, as suas iniciativas abalaram o ensino institucionalizado e, o mais importante, criaram uma vanguarda comprometida de reformadores da educação.
Teach for America tem sido tão eficaz que agora é o recrutador de eleição em muitos campos universitários da Ivy League, muitas vezes superando empresas de elite como McKinsey & Company.(2)* Os graduados que passaram pelo programa nos anos 90 estão agora a promover escolas charter **, a concorrer a cargos políticos, a gerir fundações e a trabalhar como directores de escolas em todo o país. Nas posições que ocupam têm condições para operar mudanças a nível sistémico, indo além da intervenção direta junto das crianças, ou nas salas de aula, actuando também a nível escolar e distrital, estado a estado.
Como é que o Teach for America conseguiu tanto num período de tempo relativamente curto? E como é que outras organizações sem fins lucrativos de sucesso semelhante tiveram um impacto social tão significativo? As respostas a esta segunda pergunta são o assunto deste artigo e o foco do nosso próximo livro, Forces for Good: The Six Practices of High-Impact Nonprofits (Forças do Bem: As Seis Práticas de Organizações Sem fins lucrativos de Alto Impacto (Jossey-Bass, outubro de 2007)).
Baseamos estas nossas descobertas em vários anos de pesquisa sobre 12 das organizações sem fins lucrativos mais bem-sucedidas na história recente dos EUA, incluindo as conhecidas (Habitat for Humanity), as menos conhecidas (Self-Help) e a surpreendente (Exploratorium). Uma das organizações sem fins lucrativos, a Environmental Defense, ajudou a reduzir a chuva ácida no nordeste dos Estados Unidos e criou novas soluções para o problema do aquecimento global. Outra organização, a City Year, ajudou milhares de jovens a servirem o seu país e mudou a maneira como encaramos o voluntariado. Colectivamente, estas organizações sem fins lucrativos de alto impacto pressionaram as empresas a adoptarem práticas comerciais sustentáveis e a mobilizaram os cidadãos a agir face a questões tais como a fome, a reforma da educação e o meio ambiente.
Um olhar atento sobre estas 12 organizações sem fins lucrativos de alto impacto, constituiu uma grande surpresa. Assumimos à partida que havia algo inerente a estas organizações que as ajudava a ter um grande impacto, e que o seu sucesso estava directamente ligado ao crescimento ou à abordagem da gestão; no entanto, apercebemo-nos de que para se tornar numa organização sem fins lucrativos de alto impacto não bastava construir uma grande organização expandindo-a para alcançar mais pessoas. Constatámos que, em vez dessa preocupação central, as organizações sem fins lucrativos de alto impacto trabalham com e através de organizações e indivíduos exteriores à própria organização para criarem o impacto que jamais alcançariam sozinhos. Constroem movimentos e campos sociais; transformam empresas, influenciam políticas governamentais, e outras organizações sem fins lucrativos e indivíduos; e mudam o mundo em seu redor.
Mitos da gestão sem fins lucrativos
Primeiro examinámos as 12 organizações sob a óptica da gestão tradicional sem fins lucrativos, estudando a sua liderança, a administração, as estratégias, os programas, a captação de recursos e marketing. (Ver a p. 40 para obter detalhes sobre como seleccionamos e estudamos estas organizações sem fins lucrativos.) Pensámos que iríamos encontrar a justificação do seu sucesso em hábitos de gestão pontuais, tais como marketing brilhante, operações bem ajustadas ou planos estratégicos rigorosamente desenvolvidos.
Em vez disso, o que encontrámos estava bem longe dessas evidências. Atingir alto impacto não é apenas construir uma grande organização e desenvolvê-la site por site, ou dólar por dólar. À medida que avançávamos na nossa pesquisa, vimos que a maior parte das ideias comuns sobre o que faz com que as organizações sem fins lucrativos sejam bem-sucedidas estava distante das nossa ideias iniciais. De facto, a maioria da literatura relativa a esta questão concentra-se em questões que, embora importantes, não determinam se uma organização tem impacto, como sendo:
Mito #1: Gestão Perfeita. Algumas das organizações que estudámos não são modelos exemplares de princípios de gestão geralmente aceites. Embora seja necessária uma gestão adequada, não é o suficiente para criar um impacto social significativo.
Mito #2: Reconhecimento do nome da marca. Alguns grupos de reconhecido renome mal se centram no marketing e, enquanto para outros o marketing constitui uma parte crítica da sua estratégia de impacto, existem ainda grupos para quem tal aspecto não é importante.
Mito #3: Uma ideia inovadora. Embora alguns grupos apresentem inovações radicais, outros recorrem a ideias antigas que vão adaptando até alcançarem sucesso.
Mito #4: Declaração de missão por escrito. Todas essas organizações sem fins lucrativos visam a realização de missões humanitárias, práticas visionárias e valores partilhados que se revelem atrativos. Mas apenas alguns desses grupos se dedicam à divulgação desses propósitos por escrito; a maioria está mesmo muito ocupada a concretizá-los.
Mito #5: Altas classificações em padrões de medida convencionais. Quando analisámos as medidas tradicionais de eficiência para avaliar organizações sem fins lucrativos, muitos dos grupos não obtiveram uma boa pontuação, porque não se baseiam em medições enganosas, como taxas de custos indiretos.
Mito #6: Grandes orçamentos. Descobrimos que a dimensão não se correlaciona com o impacto. Algumas das organizações sem fins lucrativos tiveram um grande impacto com orçamentos elevados; outros alcançaram um impacto semelhante com orçamentos muito menores. Ao não nos focarmos na sabedoria convencional sobre o sucesso das organizações sem fins lucrativos de alto impacto, percebemos que existe uma nova maneira de entender esse sector – e o que permite que as melhores organizações sem fins lucrativos criem mudanças sociais duradouras.(3)*
Seis práticas de organizações sem fins lucrativos de alto impacto
O segredo do seu sucesso reside no modo como as organizações sem fins lucrativos de alto impacto mobilizam todos os sectores da sociedade – governo, empresas, organizações sem fins lucrativos e público – para serem uma força ao serviço do bem. Por outras palavras, a grandeza que alcançam tem mais a ver com o modo como as organizações sem fins lucrativos trabalham fora dos limites das suas organizações do que com o modo como gerem as suas operações internas. As organizações sem fins lucrativos de alto impacto que estudámos satisfazem-se com a construção de uma organização “suficientemente boa” e, depois, concentram a sua energia no exterior para catalisar mudanças de grande escala.
Parafraseando Arquimedes: “Dêem-me uma alavanca por tempo suficiente e consigo mover o mundo sozinho”. Estes grupos usam o poder de alavancas e incentivos para criar mudanças. Em física, a alavancagem é definida como a vantagem mecânica obtida com o uso de uma alavanca. Nos negócios, significa usar um investimento inicial proporcionalmente pequeno para obter um alto retorno. O conceito de alavancagem traduz exactamente o que as organizações sem fins lucrativos de alto impacto fazem. Tal como um homem pode levantar uma pedra com três vezes o seu peso usando uma alavanca devidamente colocada, estas organizações sem fins lucrativos são capazes de alcançar uma mudança social maior do que o seu tamanho ou estrutura sugeririam à partida.
Após um longo processo de estudo destas 12 organizações sem fins lucrativos, começámos a ver certos padrões no modo como funcionam. No final, seis padrões se cristalizaram – as seis práticas que as organizações sem fins lucrativos de alto impacto usam para obter um impacto extraordinário:
1. Serviço e activismo: As organizações de alto impacto podem começar por oferecer programas óptimos, mas acabam por perceber que não conseguem alcançar mudanças sociais em larga escala apenas através da prestação de serviços. Acrescentam, portanto, o activismo político para obter recursos do governo e influenciar a legislação. Outras organizações sem fins lucrativos começam fazendo activismo e, mais tarde, acrescentam programas de base para potencializar a sua estratégia.
Finalmente, todas as organizações de alto impacto fazem a ponte entre o serviço e a defesa de direitos. Tornam-se boas em ambos os campos. E quanto mais servem e advogam, maior é o impacto. O trabalho de base de uma organização sem fins lucrativos ajuda a fundamentar a sua defesa de políticas, tornando a legislação mais relevante. E o activismo a nível nacional pode ajudar uma organização sem fins lucrativos a replicar o seu modelo, a ganhar credibilidade e adquirir financiamento para expansão.(4)*
A organização sem fins lucrativos Self-Help, com sede em Durham, Carolina do Norte, apresenta um excelente exemplo de como a combinação de activismo com serviço pode resultar num maior impacto. A Self-Help começou por conceder empréstimos à habitação a clientes – geralmente mães solteiras de comunidades minoritárias e pobres – que não se qualificavam para hipotecas tradicionais. Embora os seus serviços tenham ajudado milhares de famílias de baixo rendimento a comprar uma casa, o trabalho da Self-Help ficou prejudicado por credores predatórios, que se aproveitavam de tomadores vulneráveis ao adicionar taxas excessivas ou cobrar taxas de hipoteca exorbitantes, praticamente garantindo que o tomador não conseguiria pagar.
Eventualmente, a Self-Help organizou uma coligação em todo o estado na Carolina do Norte e fez lobby para aprovar a primeira lei de empréstimos anti-predatória no país. Posteriormente, a organização estabeleceu o subsidiário Center for Responsible Lending (Centro para o Empréstimo Responsável) para ajudar organizações sem fins lucrativos locais a aprovar legislação semelhante em 22 estados adicionais. Através dos seus serviços directos, a Self-Help concedeu mais de US $ 4,5 bilhões em empréstimos à habitação para famílias de baixo rendimento, nos Estados Unidos. Através dos seus esforços activistas criou muito mais valor para as populações mais vulneráveis do país, protegendo-as de credores predadores.
Em quase todos os casos que estudámos, a organização sem fins lucrativos combinou programas de serviços directos e activismo para aumentar o seu impacto ao longo do tempo. Alguns grupos, como o Second Harvest da América e o Habitat for Humanity, começaram por fornecer serviços, tais como alimentar famintos ou abrigar pobres, e acrescentaram activismo somente após uma década ou mais. Outros grupos, como o Center on Budget and Policy Priorities (Centro de Orçamento e Prioridades Políticas), a Heritage Foundation e a Environmental Defense (Defesa Ambiental), começaram com activismo e só posteriormente adicionaram programas ou serviços de base para expandir o seu impacto aos níveis local e estadual. Alguns grupos, como o City Year e o National Council of La Raza, desenvolveram as duas atividades desde o início, apesar da pressão para se especializar, e reconheceram desde cedo que o activismo e o serviço se reforçam.
2. Fazer os mercados funcionarem: as organizações sem fins lucrativos de alto impacto perceberam que explorar o poder do interesse próprio e as leis da economia é muito mais eficaz do que apelar ao puro altruísmo. Não confiando nas noções tradicionais de caridade, ou em considerar o mercado como inimigo, estas organizações sem fins lucrativos encontraram maneiras de trabalhar com os mercados e ajudar as empresas a “fazer o bem enquanto estão bem”. Influenciam as práticas das empresas, constroem parcerias corporativas e desenvolvem empreendimentos para alcançar mudanças sociais numa escala maior.(5)*
A Environmental Defense foi uma das primeiras organizações sem fins lucrativos a perceber o poder de aproveitar as forças do mercado para criar mudança social. A organização sediada em Nova York foi fundada no final dos anos 1960 por um grupo de cientistas que fizeram lobby para proibir o uso do DDT, e seu lema informal por anos foi “processar os bastardos”. Com o tempo, porém, esta organização ficou conhecida por uma abordagem diferente – e inicialmente mais radical – : trabalhar com empresas de forma a mudarem seus processos de negociação e a tornarem-se mais sustentáveis.
Por exemplo, embora outros grupos de verdes tenham criticado a Environmental Defense por “se vender” na época, a organização sem fins lucrativos trabalhou com o McDonald’s na década de 1980 para tornar as embalagens da gigante de fast-food mais ecologicamente correctas. Desde então, a Environmental Defense trabalha com centenas de empresas – da FedEx às lojas Walmart – frequentemente ampliando suas inovações para mudar práticas em todo um sector. Embora essas parcerias se estejam a tornar mais comuns entre os grupos ambientais, a Environmental Defense foi pioneira nessa área.
Mas a Environmental Defense não se propôs somente a mudar o comportamento das empresas. Foi um pouco mais além, aproveitando as forças do mercado para ajudar a resolver problemas ambientais maiores. A Environmental Defense tem sido uma forte defensora de sistemas baseados no mercado para controlar a poluição, como o “cap and trade“, que estabelece limites gerais de emissão (de carbono, por exemplo) e cria incentivos económicos para conduzir as empresas a cumprirem e reduzirem as suas emissões. Os sistemas de “cap and trade” ajudaram a reduzir a chuva ácida no nordeste dos Estados Unidos e tornaram-se numa ferramenta importante no combate ao aquecimento global. De facto, esta abordagem levou à aprovação da Lei de Soluções para Aquecimento Global da Califórnia, em 2006, a primeira legislação estadual deste tipo e um modelo para controlos federais de emissões mais rigorosos.
Essencialmente, as organizações sem fins lucrativos seguem o mercado de três maneiras. Ajudam a mudar o comportamento das empresas em larga escala, tal como a Environmental Defense. A Self-Help também seguiu este caminho, ao criar um mercado secundário de empréstimos e expandindo os seus modelos inovadores de empréstimos por meio de agentes financeiros tradicionais, tal como Wachovia e Fannie Mae, mudando assim as práticas do sector e ajudando grandes empresas a alcançarem mercados historicamente carentes.
Aproveitam ainda os mercados estabelecendo parcerias com empresas para angariar recursos adicionais para sua causa, direcção adoptada pela America’s Second Harvest, pela City Year e Habitat for Humanity. Estas três organizações estabeleceram grandes parcerias corporativas obtendo assim, além de financiamento, relações com os media, suporte de marketing e doações em espécie.
Algumas organizações sem fins lucrativos administram as próprias pequenas empresas, gerando rendimentos que ajudam a financiar os seus programas. A Share Our Strength, por exemplo, administra uma empresa de consultoria sem fins lucrativos, a Community Wealth Ventures, cuja receita é reimplantada na sua missão social.
3. Inspirar “evangelistas”: organizações sem fins lucrativos de alto impacto constroem comunidades fortes de apoiantes que as ajudam a alcançar seus objetivos principais. Valorizam voluntários, doadores e conselheiros, não apenas pelo tempo, dinheiro e orientação que disponibilizam, mas também pela actuação evangélica. Para inspirar o comprometimento dos apoiantes, estas organizações sem fins lucrativos criam experiências emocionais que ajudam a conectar os apoiantes à missão e aos valores fundamentais do grupo. Estas experiências convertem “outsiders” em “evangelistas”, que por sua vez recrutam outras pessoas, desenvolvendo um marketing viral no seu melhor. As organizações sem fins lucrativos de alto impacto nutrem e sustentam estas comunidades de apoiantes ao longo do tempo, reconhecendo que elas não são apenas meios, mas fins em si mesmas.(6)*
O Habitat for Humanity, organização localizada em Americus, Geórgia, exemplifica essa capacidade de criar uma comunidade mais alargada e inspirar os evangelistas para a sua causa. Como o seu fundador Millard Fuller disse, ele não se propôs criar uma organização, mas sim um movimento social. Desde o início, a organização sem fins lucrativos espalhou o seu modelo pelas congregações da igreja local numa expansão directa de “boca a boca”, construindo a sua marca pela base. Este modelo inclui a participação próxima e directa de apoiantes no cerne do seu trabalho: construir casas para os pobres. Os participantes trabalham ao lado dos futuros moradores da casa e, no processo, aplicam os seus valores ao mesmo tempo que se tornam activistas pela causa da habitação para todos. Estes evangelistas, por sua vez, recrutam os seus amigos e colegas, expandindo o círculo de apoiantes para o exterior.
Além disso, a Habitat for Humanity atrai o que chamamos de “super evangelistas”, como o ex-presidente Jimmy Carter – pessoas que, em virtude de suas realizações pessoais, nomes famosos e vastas redes sociais, podem ajudar a levar uma organização sem fins lucrativos a um nível mais elevado. Ao servir no conselho e como porta-voz da organização, Carter ajudou a impulsioná-la, promovendo-a de uma organização sem fins lucrativos para uma força global de mudança.
Nem todas as organizações sem fins lucrativos de alto impacto que estudámos tinham um modelo organizacional que facilitasse o envolvimento de apoiantes. No entanto, quase todas elas encontraram maneiras criativas de converter os principais apoiantes em evangelistas e mobilizar super-evangelistas.
4. Criar redes de organizações sem fins lucrativos: embora a maioria das organizações sem fins lucrativos preste atenção à colaboração, muitas delas realmente vêem outros grupos como concorrentes devido à escassez de recursos disponibilizados. Porém, as organizações de alto impacto ajudam os seus colegas a ter sucesso, construindo redes de aliados sem fins lucrativos e dedicando tempo e energia notáveis no seu campo de avanço. Compartilham livremente riqueza, experiência, talento e poder com outras organizações sem fins lucrativos, não porque sejam santos, mas porque reconhecem que é do interesse comum fazê-lo.(7)*
A Heritage Foundation exemplifica esta mentalidade de rede. Desde a sua fundação, esta organização, com sede em Washington DC, desafiou a noção tradicional de um think tank (laboratório de ideias). A fundação procurou não apenas cultivar uma ampla base de membros, mas também inserir o conservadorismo no pensamento dominante. Para atingir seus objetivos, a Heritage percebeu que precisava de construir um movimento, não apenas uma organização. E, desta forma, a fundação ajudou a disseminar e galvanizar uma vasta rede de organizações conservadoras nos níveis local, estadual e nacional.
Hoje, o Heritage’s Resource Bank – uma rede de organizações sem fins lucrativos estaduais e locais – inclui mais de 2.000 organizações membros. A Heritage Foundation ajuda os líderes dessas organizações sem fins lucrativos estaduais e locais a angariar dinheiro e compartilhar livremente a sua lista de doadores com grupos que pensam da mesma forma. Oferece igualmente amplos programas para treinar analistas de políticas que não são da Heritage, desde estratégias conservadoras até habilidades para falar em público. A Heritage cultiva talentos – não apenas para sua própria organização, mas também para outros grupos conservadores líderes – oferecendo um prestigiado programa de estágio e serviço de colocação de emprego para os seus jovens acólitos. A organização sem fins lucrativos também trabalha frequentemente em coligações para promover políticas conservadoras e aprovar legislação. Em vez de ver outras organizações conservadoras como concorrentes, a Heritage ajudou a construir um movimento conservador muito maior nas últimas duas décadas, servindo como conector crítico nessa crescente rede de colegas com ideias semelhantes.
Outras organizações sem fins lucrativos de alto impacto aproveitam o poder das redes. Em alguns casos, formalizam as suas redes por meio de uma estrutura de filiação, como a YouthBuild USA ou a America’s Second Harvest. Noutros casos, mantêm as suas redes menos formais e operam sem marca oficial ou vínculos de financiamento, como o Center on Budget and Policy Priorities ou o Exploratorium.
Independentemente de terem filiadas formais ou informais, todas estas organizações sem fins lucrativos ajudam a construir os respectivos campos por meio da colaboração e não da concorrência. Compartilham recursos financeiros e ajudam outras organizações sem fins lucrativos a ter sucesso na captação de recursos. Divulgam o seu modelo e informações numa abordagem de código aberto. Cultivam liderança e talento para a sua rede mais ampla, em vez de acumular competências. E trabalham em coalizão de modo a influenciar a legislação ou realizar campanhas de activismo de base, sem se preocupar muito com a organização que recebe o crédito. Estas organizações sem fins lucrativos reconhecem que são mais poderosas juntas do que sozinhas e que as mudanças sociais em larga escala geralmente exigem acção colectiva e colaborativa.
5. Dominar a arte da adaptação: as organizações sem fins lucrativos de alto impacto são excepcionalmente adaptáveis, modificando as suas tácticas conforme o necessário para aumentar o seu sucesso. Responderam às mudanças nas circunstâncias com sucessivas adaptações. Durante o percurso, cometeram erros e ocorreram alguns fracassos. Mas, ao contrário de muitas organizações sem fins lucrativos, dominam a capacidade de ouvir, aprender e modificar a sua abordagem com base em “dicas” externas. A adaptabilidade permitiu-lhes sustentar o seu impacto.(8)*
Muitas organizações sem fins lucrativos são altamente inovadoras, mas não podem executar novas ideias. Outras organizações sem fins lucrativos estão tão atoladas na burocracia que não têm espaço de criatividade. Porém, as organizações sem fins lucrativos de alto impacto combinam criatividade com sistemas disciplinados para avaliar, executar e adaptar ideias ao longo do tempo.
Share Our Strength tem sido excepcionalmente adaptável. Bill Shore iniciou a organização sem fins lucrativos com sede em Washington, D.C. enviando cartas às celebridades da indústria de alimentos para angariar fundos para aliviar a fome. Embora tenha recebido alguns cheques, descobriu que os chefs profissionais estavam muito mais entusiasmados em doar o seu tempo e talento para um evento de degustação local. Após o sucesso de um único evento em Denver, a Share Our Strength abandonou a sua campanha de direct mail (correio directo) e lançou a série Taste of the Nation – que é agora um sucesso nacional em mais de 70 cidades. Angariou milhões de dólares para o alívio da fome e muitas outras organizações sem fins lucrativos copiaram a ideia.
Com o tempo, a Share Our Strength experimentou várias inovações diferentes, desde eventos participativos até campanhas de marketing de causa. Nem todos esses eventos foram bem-sucedidos. Uma experiência fracassada foi a tentativa de estender o conceito Taste para a arena desportiva, por meio de um programa chamado “Taste of the Game”. A Share Our Strength solicitou a atletas famosos para treinarem jovens num desporto e pediu aos pais que comprassem bilhetes para os jogos de demonstração – com todos os recursos destinados ao alívio da fome. Mas a paixão por questões anti-fome não era tão forte entre atletas e treinadores quanto entre a comunidade de restaurantes. Depois de várias iniciativas menos bem-sucedidas a consumirem tempo e dinheiro, a Share Our Strength desenvolveu uma abordagem mais rigorosa para gerir a inovação. Hoje, a equipa da organização sem fins lucrativos desenvolve planos de negócios e realiza mais pesquisas antes de se aventurar em novos programas.
Todas as organizações sem fins lucrativos da nossa amostra dominaram o que chamamos de ciclo de adaptação, que envolve quatro etapas críticas. Primeiro, ouvem o feedback do seu ambiente externo e procuram oportunidades de melhoria ou mudança. Em seguida, inovam e experimentam, desenvolvendo novas ideias ou aprimorando programas mais antigos. Depois, avaliam e aprendem o que funciona com a inovação, compartilhando informações e melhores práticas nas suas redes. Modificam os planos e programas num processo contínuo de aprendizagem. É um ciclo interminável que ajuda as organizações sem fins lucrativos a aumentar e sustentar o seu impacto.
6. Compartilhar a Liderança: Os líderes destas 12 organizações exibem carisma, mas não apresentam egos exagerados. Sabem que precisam de compartilhar o poder para serem forças mais eficientes para o bem. Distribuem a liderança nas organizações e nas redes externas sem fins lucrativos, capacitando outras pessoas a liderar. Líderes de organizações sem fins lucrativos de alto impacto cultivam um forte sentido de delegação de liderança (second-in-comand), constroem equipas executivas duradouras com longa permanência e desenvolvem conselhos amplos e poderosos.(9)*
O National Council of La Raza (NCLR) é um óptimo exemplo de liderança colectiva em acção. A organização sem fins lucrativos com sede em Washington, D.C. foi fundada em 1968 por um grupo de líderes hispânicos e, na primeira década, nomeou Raul Yzaguirre como CEO. Yzaguirre liderou a organização sem fins lucrativos durante mais de 30 anos com um crescimento extraordinário. Rapidamente desenvolveu um quadro de executivos seniores fortes e capacitados, muitos dos quais estão na organização há décadas e têm desempenhado papéis de liderança relevantes em áreas críticas. Yzaguirre teve sempre um second-in-comand (um subdirector), ou COO, que o ajudou na administração interna enquanto ele se concentrava na liderança externa. E o conselho da NCLR aprendeu a compartilhar o poder com o director executivo. Mesmo quando Yzaguirre se aposentou e foi substituído por Janet Murguía, a organização manteve as suas práticas de liderança.
Habitat for Humanity é uma organização que passou por uma difícil transição de liderança quando Fuller saiu e iniciou uma organização habitacional concorrente. Mas quase todas as organizações sem fins lucrativos que estudámos, como a NCLR, exemplificam modelos de liderança compartilhada. Têm uma liderança forte no topo, liderada por um fundador ou um líder em crescimento que aprendeu a compartilhar o poder. Todos elas têm equipas executivas de longa data com responsabilidades significativas. Os seus conselhos são constituídos por mais elementos do que a média – variando de membros de 20 até mais de 40 – e partilham o poder com os executivos.
Sustentar o impacto através da organização
As 12 organizações sem fins lucrativos de alto impacto que estudámos usam a maioria destas seis práticas. Mas nem sempre, e nem todas as empregam da mesma maneira. Algumas começaram por incorporarem apenas algumas práticas e gradualmente adicionaram outras práticas. Outras concentram-se na activação de certas alavancas aplicando-as em diferentes graus. No entanto, todas convergem utilizando cada vez mais estas práticas. Em vez de se concentrarem em práticas rotineiras, estas organizações sem fins lucrativos de alto impacto avançam continuamente em novas direcções. E, ao trabalhar com e através de outras pessoas, encontram alavancas em devido tempo de modo a aumentar o seu impacto.
Além de seguirem as seis práticas apresentadas, estas 12 organizações sem fins lucrativos de alto impacto dominaram igualmente vários princípios básicos de gestão necessários para sustentar o seu impacto. Todos elas desenvolveram fontes de apoio financeiro duradouras e diversificadas na medida do possível, abrangendo bases de doadores individuais, contratos governamentais, doações corporativas e subsídios de fundações. Normalmente, alinharam a sua estratégia de captação de recursos com a estratégia de impacto. Aquelas que são mais hábeis em evangelizar inspiradores, são igualmente capazes de construir uma base de doadores individuais mais ampla.
Estas organizações sem fins lucrativos aprenderam ainda que precisam de investir nos seus recursos humanos e, portanto, a maioria delas compensa muito bem os seus executivos comparativamente com organizações de dimensão semelhante. Descobriram também como construir uma infraestrutura interna confiável, incluindo sofisticados sistemas de tecnologia da informação. Não receiam investir na sua própria capacidade – apesar da pressão pública contrária para manter baixos os índices administrativos.(10)* Embora nenhuma destas práticas básicas de gestão conduza a um impacto revolucionário, uma base organizacional sólida é essencial para sustentar o impacto ao longo do tempo.
Quando uma organização sem fins lucrativos aplica todas estas forças simultaneamente – as seis práticas de alto impacto, conjuntamente com habilidades básicas de gestão –, cria um momento que alimenta um sucesso ainda maior. “É como empurrar uma bola de neve ladeira abaixo”, diz um voluntário da Habitat for Humanity. “No início, é necessário trabalhar nisso e é precisa muita energia. Mas assim que avança, o momento aumenta e começa a rolar por conta própria.”
Usar alavancas para promover mudanças sociais
Porque é que estas organizações sem fins lucrativos utilizam várias forças externas, quando seria mais fácil concentrarem-se no crescimento das suas próprias organizações? A razão é o seu compromisso inabalável em criar impacto real. Estas organizações e as pessoas que os lideram querem resolver muitos dos maiores problemas que assolam o mundo: fome, pobreza, falta de educação, mudança climática. Aspiram a mudar o mundo. Não querem apenas aplicar pensos-rápidos sociais. Procuram atacar e eliminar as causas profundas dos males sociais.
Não é suficiente para o Teach for America aumentar as notas dos alunos nas salas de aula; a organização também quer transformar todo o sistema educacional na América. Não é suficiente para o Habitat for Humanity construir casas; a organização também aspira a eliminar a pobreza e a falta de habitação da face da terra. Não é suficiente para o City Year formar alguns jovens bem-sucedidos; a organização também deseja que todos os jovens passem um ano a servir a sua comunidade.
Mas, para cada uma destas 12 organizações, o idealismo audacioso é fundamentado no pragmatismo real. Estas organizações sem fins lucrativos não são tão ideológicas, mas focadas em obter maior impacto. Como Martin Eakes, fundador da Self-Help, diz: “Preciso de ter mais impacto do que preciso de ter razão.” Se isso significa deixar os seus egos à porta, ou até mesmo colocar em segundo plano as suas necessidades individuais ou organizacionais, esses empreendedores sociais farão o que for necessário – dentro do razoável.
“Somos extremamente pragmáticos”, diz Gwen Ruta, diretora de alianças da Environmental Defense. “Focamos-nos muito nos resultados. Não importa com quem trabalhamos, se podemos obter resultados credíveis. E usaremos qualquer ferramenta necessária para progredir: processaremos pessoas, formaremos parcerias com negócios, faremos lobby no The Hill (Congresso do Estados Unidos, em Washington, D.C.) ou educaremos o público. Cada uma destas ferramentas está no nosso kit de ferramentas e implantamos a que mais provavelmente nos levará a cumprir a nossa meta.”
Mesmo que as organizações sem fins lucrativos dominem e usem todas as seis práticas, ainda não conseguirão resolver os maiores problemas do mundo. Outros sectores deveriam seguir o exemplo. Para que ocorra uma mudança real, os líderes governamentais e de empresas com fins lucrativos deveriam aprender com organizações sem fins lucrativos de alto impacto e com as seis práticas que estas seguem. Os líderes governamentais podem começar a ver organizações sem fins lucrativos não apenas como um local conveniente para abordagens externas de serviços sociais, mas também como uma fonte valiosa de inovação social e ideologias. Os líderes empresariais podem formar parcerias com as principais organizações sem fins lucrativos para criar sistemas inovadores que aproveitem as forças do mercado para um bem maior. E doadores e voluntários individuais podem aumentar o retorno social dos seus investimentos, apoiando as organizações sem fins lucrativos que têm maior impacto, em vez daquelas que aderem às ideias convencionais e equivocadas de eficiência.
Acreditamos que, sem mais organizações sem fins lucrativos, empresas e agências governamentais seguindo estas seis práticas para alcançar o máximo impacto, estaremos confinados a trabalhar em conjunto com mudanças lentas e incrementais. Apenas nos incomodamos com o aquecimento global. Financiaremos de forma insuficiente programas que apenas perpetuam o ciclo da pobreza. Continuaremos a permitir que milhões de crianças cresçam sem assistência médica. E continuaremos a cometer um dos maiores erros de todos: focarmo-nos demais no processo, e não no impacto.
Notas
1 Todos os factos e citações apresentados neste caso – e outros casos resumidos neste artigo – são extraídos de entrevistas com a equipa organizacional ou de informações internas ou publicamente disponíveis, como os relatórios anuais. O orçamento e outros dados geralmente reflectem o período do relatório do ano fiscal 2005, quando a pesquisa foi realizada.
2 Patricia Sellers. “Schooling Corporate Giants on Recruiting.” Fortune, 27 November 2006.
3 Vários artigos publicados na Stanford Social Innovation Review e livros no sector das organizações sem fins lucrativos focaram-se na eficácia e eficiência organizacional – ou no crescimento da organização como forma de aumentar o impacto. Veja-se “Going to Scale.” Stanford Social Innovation Review (Spring 2003): 19-25; William Foster and Gail Fine. “How Nonprofits Get Really Big.” Stanford Social Innovation Review (Spring 2007): 46-55; and Christine W. Letts, William P. Ryan, and Allen Grossman. High Performance Nonprofit Organizations. New York: John Wiley & Sons, 1999.
4 Ver Shirley Sagawa. “Fulfilling the Promise: Social Entrepreneurs and Action Tanking in a New Era of Entrepreneurship,” desenvolvido para a New Profit Inc. (fevereiro de 2006); Bob Smucker. The Nonprofit Lobbying Guide. Washington, D.C.: Independent Sector, 1999; e Susan Reese. “Effective Nonprofit Advocacy,” um documento de trabalho desenvolvido para o Aspen Institute e disponível no seu site.
5 Ver Shirley Sagawa e Eli Segal. Common Interest, Common Good: Creating Value Through Business and Social Sector Partnerships. Cambridge, Mass.: Harvard Business School Press, 2000; J. Gregory Dees. “Enterprising Nonprofits.” Harvard Business Review(January/February 1998); and James E. Austin. The Collaboration Challenge: How Nonprofits and Businesses Succeed Through Strategic Alliances. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 2000.-Bass Publishers, 2000.
6 Ver Joel M. Podolny. “Networks for Good Works.” Stanford Social Innovation Review(Winter 2007); e “Effective Alumni Engagement: Key Themes and Promising Practices,” um estudo interno publicado pela Omidyar Network (análise de McKinsey & Company, 2003).
7 Ver Ori Brafman e Rod Beckstrom. The Starfish and the Spider: The Unstoppable Power of Leaderless Organizations. New York: Portfolio, 2006; e Gerald F. Davis, Doug McAdam, W. Richard Scott, and Mayer N. Zald, eds. Social Movements and Organizational Theory. New York: Cambridge University Press, 2005.
8 Ver Christine W. Letts, William P. Ryan e Allen Grossman. High-Performance Nonprofit Organizations. Hoboken, N.J.: John Wiley & Sons, 1999. Os autores citam Ronald A. Heifetz. Leadership Without Easy Answers. Cambridge, Mass.: Belknap Press, 1994, na sua discussão sobre a capacidade adaptativa no contexto da liderança.
9 Ver Gregory B. Markus. “Building Leadership: Findings From a Longitudinal Evaluation of the Kellogg National Fellowship Program.” Battle Creek, Mich.: W.K. Kellogg Foundation, 2001; e Betsy Hubbard. “Investing in Leadership: Vol. 1 – A Grantmaker’s Framework for Understanding Nonprofit Leadership Development.” Washington, D.C.: Grantmakers for Effective Organizations, 2005.
10 Ver Stephanie Lowell, Brian Trelstad e Bill Meehan. “The Ratings Game.” Stanford Social Innovation Review (Summer 2005): 39-45.
Heather McLeod Grant é consultora do Centro para o Avanço do Empreendedorismo Social na Fuqua School of Business da Duke University e do Centro de Inovação Social da Graduate School of Business da Universidade de Stanford.
Leslie R. Crutchfield é directora administrativa da Ashoka Global Academy e bolseira de investigação do Sector sem fins lucrativos e do Programa de Filantropia do Instituto Aspen. O seu livro, Forces for Good: The Six Practices of High-Impact Nonprofits, foi um projecto do Center for the Advancement of Social Entrepreneurship (Centro para o Avanço do Empreendedorismo Social) e foi publicado por Jossey-Bass em Outubro de 2007, reeditado e actualizado em Maio de 2012.
** N. da T.: Nos Estados Unidos, as escolas charter são escolas públicas que são independentes dos distritos escolares através de contratos com o estado. São organizadas por professores, pais e restante comunidade, muitas vezes tendo um programa curricular diferente do ensino público tradicional.
Tradução: Barbara Korman
Artigo traduzido com a permissão do autor.
Artigo original: Creating High-Impact Nonprofits