As Nossas Vozes, o Nosso Movimento: Como os Veganos Podem Ultrapassar o “Debate entre Bem-Estar / Abolição”

Por Melanie Joy: Psicóloga Social e Autora

Durante anos mantive-me calada sobre o “debate entre bem-estar/abolição”, acreditando que o meu tempo e energia limitados como activista estariam melhor aplicados noutros assuntos. Mas acontecimentos recentes compeliram-me a testemunhar a profunda raiva, confusão, culpa, cansaço, e desespero que este assunto causa em veganos – veganos cuja entrega e compaixão nunca cessam de me espantar e inspirar. Portanto, não podia, em boa consciência, evitar reflectir sobre este assunto e partilhar as minhas reflexões.  

Muito tem sido escrito sobre o conteúdo do assunto – as ideias e argumentos específicos que caracterizam cada posição. De facto, virtualmente tudo o que foi discutido em relação ao “debate” é baseado em conteúdo, e seria difícil alguém encontrar novo conteúdo para acrescentar a um “debate” que tem estado num impasse desde o seu início. Portanto não vou argumentar uma posição aqui, mas, em vez disso, sugerir uma forma diferente de pensar sobre o assunto – uma reformulação que espero irá libertar alguma energia que tem sido gasta num bloqueio, para que as nossas vidas sejam mais pacíficas e o nosso activismo mais eficaz.

O que sugiro é que foquemos a nossa atenção no processo e não no conteúdo do assunto. O processo é o como, em vez de o quê; é a forma de abordar o conteúdo; é a forma como comunicamos (por exemplo, podemos ser argumentativos ou cooperativos”. E o nosso processo é influenciado pela nossa consciência. A nossa consciência é a nossa mentalidade; são as intenções, princípios e estados mentais que determinam como nos relacionamos com nós mesmos, outros, e com o mundo. As nossas consciências e processos podem reflectir a cultura especista-carnista que trabalhamos para transformar, reforçando assim, por exemplo, a rigidez ideológica, pensamento preto-e-branco, defensividade, agressão (bullying), superioridade moral, e hostilidade. Ou pode reflectir os princípios básicos do veganismo – princípios como a compaixão, reciprocidade, justiça, e humildade – a essência de uma consciência (e processo) “liberatória”, uma forma de estar (e relacionar-se) que é fundamentalmente libertadora e que acredito que pode dar poder significativo aos diálogos estratégicos importantes que precisamos de continuar a ter.  

Dizendo que Diferença é o Mesmo que Deficiência: Vendo os Desentendimentos Saudáveis como Debates Divisivos.  

Há muitas formas pelas quais nós, como indivíduos e como movimento, encarnamos uma consciência liberatória. Tenho tido o privilégio de conhecer milhares de veganos por todo o mundo, e de testemunhar a coragem e convicção com que eles vivem as suas vidas. Mantêm-se firmes nos seus valores, apesar da hostilidade e discriminação diária com que têm de viver, a isolação da sua experiência, a frustração que sentem quando notam a irracionalidade óbvia nas atitudes e comportamentos dos outros para com os animais não-humanos, e a dor, sofrimento e exasperação que sentem face aos omnipresentes lembretes da brutalidade e injustiça que os rodeiam. E também tenho tido a oportunidade de testemunhar o desabrochar e o aumento do movimento vegano. Dada a dimensão incalculável da atrocidade contra a qual lutamos, temos muito de que nos orgulhar.   

E dada a dimensão incalculável da atrocidade contra a qual lutamos, temos muito trabalho a fazer.

Apesar de termos sido capazes de trazer uma consciência liberatória a muitas áreas do nosso ativismo e ao nosso movimento – em particular, às nossas áreas de comunalidade – trazemos também muitas vezes uma consciência não-liberatória às nossas áreas de diferença. Dado que a nossa diversidade é a nossa força – quantas mais ideias e experiências trouxermos ao movimento, mais rico e multidimensional se tornará – quando equacionamos diferença com deficiência, quando acreditamos que as nossas diferenças são obstáculos em vez de oportunidades, então relacionamo-nos com as nossas diferenças de uma forma que nos enfraquece ao invés de nos fortalecer, a nós e ao nosso movimento. Os nossos desentendimentos são vistos como debates divisivos em vez de conversas construtivas.

O problema central não são as nossas diferenças; é a forma como nos relacionamos com elas. Por outras palavras, apesar de poder haver diferenças em termos da eficácia de várias estratégias para acabar com a exploração animal – algumas estratégias até podem ser contraprodutivas – não podemos determinar em que abordagens devemos focar os nossos esforços, se formos incapazes de discutir essas diferenças abertamente. Temos de abordar as nossas áreas de diferença de tal forma que cultive o tipo de debate produtivo que nos permita explorar completamente os métodos mais expedientes para cessar a maré de brutalidade horrível contra seres não-humanos, que não pára enquanto discutimos uns com os outros.  

Debate versus Diálogo: Processos Radicalmente Diferentes

O modelo do debate, embora largamente aceite em meios académicos e outros, tem sido criticado por vários intelectuais, desde, pelo menos, Sócrates. Em geral, quando debatemos, procuramos “vencer” uma “argumentação”, “defender” a nossa posição, demonstrar que a nossa posição está “certa”. Assim, inevitavelmente, o nosso objectivo é causar a “derrota” do outro e demonstrar que a sua posição está “errada”. O objectivo típico do debate não é aprender ou desenvolver uma compreensão mais abrangente e profunda de um assunto, mas promover a nossa perspectiva existente contra um “oponente” que está também interessado na promoção da sua perspectiva. O debate baseia-se em, e encoraja, o pensamento dualístico, de ou-isto-ou-aquilo: somos muitas vezes forçados a escolher entre duas perspectivas (opostas) e portanto podemos não conseguir ver todas as muitas perspectivas alternativas que poderão existir. Também podemos não conseguir apreciar as nuances de um assunto, ou que pode haver interpretações múltiplas e igualmente válidas da mesma situação. 

O objectivo do diálogo, por outro lado, é partilhar ideias e tornarmo-nos cientes de múltiplas perspectivas. É entender e ser entendido pelo outro para obter uma consciência alargada. Através do diálogo, somos encorajados a examinar os nossos próprios pressupostos, considerar as limitações da nossa perspectiva, e contemplar explicações ou modos de ação alternativos para o assunto que estamos a explorar. O modelo do diálogo reflecte muito melhor uma consciência liberatória, pois requer curiosidade, empatia, e compaixão, e o seu objectivo é o entendimento mútuo e a obtenção de poder colectivo, em vez de criar “vencedores” e “vencidos”.  

Para além da consciência gerada por este modelo, se considerarmos o enorme valor prático destas abordagens para acabar com a exploração animal, poderemos apreciar como o debate pode colocar um obstáculo sério: alcançar o nosso objectivo da libertação animal depende de desenvolver uma abordagem estratégica completa, complexa, sofisticada e flexível, para atingir um sistema de opressão institucionalizada completo, complexo, sofisticado, e sempre a mudar. É pouco provável que a retórica reducionista, preto-ou-branco, do debate possa alguma vez produzir uma tal riqueza de nuance e de análise. As nossas diferenças são a nossa força.

O Impasse do Debate: Estratégia Disfarçada de Ideologia

Dada a natureza problemática do debate, porque continuamos a aplicar este modelo para lidar com as nossas divergências? Uma razão é que misturámos ideologia com estratégia, acreditando que as nossas divergências são ideológicas em vez de estratégicas. A ideologia está carregada de moral, muitas vezes gerando uma mentalidade “certo/errado”, e é interpretada subjectivamente, o que pode levar a uma deliberação infindável e em última análise a um impasse.

Claro que existem realmente diferenças ideológicas entre veganos, mas para muitos veganos há muitas vezes uma falta de clareza sobre quando e como a ideologia e a estratégia se sobrepõem. Por exemplo, quando debatemos se é mais eficaz fazer uma campanha pela reforma institucional ou fazer uma distribuição de material nas ruas (admitindo que são duas abordagens mutuamente exclusivas, o que não são), assume-se muitas vezes que o desentendimento é puramente ideológico, que as pessoas ou são “abolicionistas” ou “bem-estaristas”. No entanto, a maior parte dos veganos de facto partilha o objectivo da abolição da exploração animal e quando destrinçamos a ideologia da estratégia, podemos redireccionar a conversa para qual será a melhor forma de levar isso a cabo, sem sermos desviados por argumentação moral. 

Quando juntamos estratégia com ideologia, perdemos a objectividade necessária para desenvolver uma cuidada análise estratégica. Por exemplo, tratamos a teoria como se fosse um facto, veementemente defendendo uma abordagem que não se baseia em nenhuma evidência empírica. Os exemplos históricos de outros movimentos abolicionistas, como o movimento para acabar o comércio de escravos africanos, são referências úteis, mas de forma nenhuma se aproximam dos dados reais necessários para demonstrar a eficácia de uma abordagem estratégica para a abolição da exploração animal na nossa época. Nem temos quaisquer dados fiáveis a provar que as reformas de bem-estar irão trazer a abolição, e que não minam na verdade os esforços para esse fim. E também tratamos factos como se fossem teoria, desconsiderando, por exemplo, a enorme quantidade de pesquisas que examinam os factores motivacionais e comportamentais que influenciam a mudança individual e social: é verdadeiramente espantoso que o livro Change of Heart de Nick Cooney, uma compilação de 220 páginas de estudos psicosociais, tenha por vezes sido tratado como se fosse mera conjectura. 

A análise estratégica é um dos mais importantes esforços – se não o principal – que podemos desenvolver enquanto veganos. Questionar como podemos, de forma mais eficaz e rápida, causar uma mudança na vida dos animais não-humanos é vital para a nossa missão. Faz sentido perguntar se, por exemplo, as reformas de bem-estar que aumentam a consciência das pessoas sobre a exploração de animais de pecuária, e no entanto fornecem outra justificação para tal exploração, serão mais benéficas ou serão vazias de significado. Isto são questões válidas que requerem um diálogo constante. O modelo do debate, no entanto, não é útil quando se discutem estratégias; o nosso investimento em estarmos certos pode impedir-nos de sermos eficazes.

O Mito do Grande Debate: “Bem-Estar versus Abolição”

Outra razão para os veganos usarem o modelo contraproducente do debate é que muitos de nós acreditamos que há um “debate entre bem-estar/abolição” a dividir fundamentalmente o nosso movimento e que nós estamos, portanto, automaticamente num lado ou no outro. Por outras palavras, acreditámos n’O Mito do Grande Debate. 

No entanto, apesar de haver quem queira debater este assunto, o debate em si é basicamente uma ficção. Um debate, em geral, assume que há (pelo menos) dois lados “opostos”, cada um dos quais igualmente interessado em promover a sua posição como correcta. E para estar interessado em promover uma posição, é geralmente necessário estar identificado com essa posição. Um debate é como um jogo de futebol: tem de haver dois grupos, identificados como equipas, que estão ambos interessados em “ganhar” o jogo.

No entanto, se examinarmos a história do “debate entre bem-estar/abolição”, vemos que a vasta maioria dos veganos não se vê num “lado” de um “debate” porque não se identifica com nenhuma posição particular – não se rotularam a si próprios, nem à sua posição, e não construíram uma identidade à sua volta. Eles simplesmente vêem-se como “veganos”. Muitas vezes irão apenas considerar a sua posição relativamente ao “debate” quando forem confrontados com “escolher” um “lado”, mas geralmente eles não sentem nenhuma identificação com o seu suposto “lado”, nem consideram as pessoas do outro “lado” como estando opostas a si próprios e aos seus esforços. A identificação com uma posição tem sido o apanágio de um pequeno grupo de veganos que construíram uma identidade à volta da sua abordagem estratégica-ideológica e que construíram rótulos, quer para si próprios, quer para o outro “lado”. Na nossa analogia do futebol, é como se houvesse apenas uma equipa a tentar ganhar o jogo; o resto dos indivíduos não se considera uma equipa e simplesmente deambula pelo campo, pontapeando a bola apenas quando ela passa à sua frente.

Para ser justa, só porque uma minoria de veganos têm uma identidade de “equipa”, isto não significa que a maioria não tenha um papel na construção do debate. É inteiramente possível que a minoria, pequena mas vociferante, tenha desenvolvido uma identidade de grupo coeso porque sentiu que as suas preocupações válidas e urgentes não têm sido consideradas seriamente pela cultura vegana mais alargada. Ambos os “lados” devem trabalhar para desconstruir o Mito do Grande Debate.

O Mito da Grande Divisão: Unidos e Divididos Florescemos

Um dos perigos de aceitar o Mito do Grande Debate é que nos pode levar a acreditar no Mito da Grande Divisão – que há uma profunda ruptura no nosso movimento que prejudica os nossos esforços e mina o nosso activismo. E embora seja verdade que “o debate” é divisivo e coloca um obstáculo ao nosso crescimento, uma análise breve à evolução do movimento ao longo dos anos recentes demonstra sem qualquer dúvida que estamos a crescer exponencialmente em número e em força. A ruptura não é um abismo. 

Também podemos acreditar no Mito da Grande Divisão porque, como minorias ideológicas, muitas vezes somos representados pela cultura dominante como um grupo uni-dimensional e homogéneo. E, tal como outros grupos não-dominantes, podemos sentir-nos pressionados para apresentarmos uma frente unida para obtermos mais poder social. Portanto é importante que nos lembremos que não somos menos diversificados que os não-veganos, e não temos de – nem devemos – partilhar todos os mesmos valores e crenças e abordagens. Quando nos olhamos a nós próprios através da lente da cultura dominante, podemos temer que, se não estivermos unidos, estaremos divididos, desencadeando uma profecia que se cumpre a si própria. Mas podemos ser, e somos, semelhantes e também diferentes.

Rotulagens Divisivas

As nossas percepções de nós próprios como estando fundamentalmente divididos são reforçadas, pelo menos em parte, através da construção e apropriação de rótulos para os veganos. Embora a análise e o rigor linguístico sejam essenciais para o crescimento continuado de qualquer movimento social, quando os rótulos são criados e aplicados unilateralmente – quando as pessoas que recebem esses rótulos não foram nem participantes no processo nem recipientes que consentiram que lhes aplicassem rótulos – o resultado é confusão, frustração, e uma profunda deterioração da dignidade pessoal e da solidariedade de grupo.

O lugar onde esta dinâmica é mais aparente é através do uso dos rótulos “abolicionista” ou “bem-estarista”. Muitos veganos acham estes rótulos ofensivos porque lhes são involuntariamente atribuídos ou negados – é-lhes dito que eles não são o que sentem que são, ou que são o que sentem que não são. Por exemplo, a definição técnica de “abolicionista” é a de alguém que favorece a abolição de uma prática ou de uma instituição; no caso do veganismo, significa uma pessoa cujo objectivo final é a abolição da exploração de animais. E enquanto a maioria dos veganos se vê como abolicionista, este termo foi redefinido para se aplicar a um pequeno grupo de pessoas que favorecem uma ideologia e uma abordagem estratégica particulares para levar a cabo esse objectivo. Assim, qualquer pessoa cuja abordagem difira, mesmo que o seu objectivo seja a abolição da exploração de animais, é chamada de “bem-estarista”, o que sugere que eles simplesmente pretendem aliviar, e não eliminar, essa exploração. Embora haja certamente defensores da proteção dos animais – e executivos de empresas pecuárias que querem passar boa publicidade – que não procuram a abolição, a vasta maioria dos veganos procura e ficam assim justamente ofendidos quando lhes é negado o direito de auto-identificação.

Uma forma simples de abordar o problema da rotulagem divisiva é a de escolher termos que são mais inclusivos e precisos. De facto, é provável que tais termos tenham sido originalmente construídos para criar uma maior precisão de termos e que a exclusão tenha sido uma consequência não-intencionada. No entanto, o processo pelo qual esses rótulos são aplicados é ainda mais preocupante do que os próprios rótulos. Impor aos outros rótulos não-solicitados que são incongruentes com o seu próprio conceito que fazem de si mesmos, é definir a sua realidade. É negar aos outros o direito à sua própria orientação filosófica. Quando definimos a realidade de outra pessoa, afirmamos que sabemos melhor do que eles o que as suas próprias motivações e objectivos centrais são. Definir a realidade de alguém é um processo que fundamentalmente retira poder (é não-liberatório). Sempre que nos afirmamos como peritos na experiência do outro, retiramos ao outro a sua subjectividade, tornando-os objectos das nossas projecções. Apagamos o seu ser, projectando neles as nossas próprias ilusões sobre o seu mundo interno. Este tipo de consciência é a antítese de tudo o que representamos enquanto veganos. Pensa nisso: a nossa defesa dos animais baseia-se em impedir que os humanos definam a realidade dos outros animais, desconsiderando ou minimizando a senciência e o sofrimento dos outros seres. Procuramos compreender a experiência subjectiva dos outros animais e encorajamos os outros a fazer o mesmo. Este testemunhar de outros seres, que valida a sua realidade ao invés de a definir, é a base da consciência vegana – uma consciência liberatória.

Uma Consciência Vegana da Libertação: Para Além do Debate e Atravessando a Divisão

O veganismo foi fundado com base em princípios que levam a uma consciência liberatória, e a essência da filosofia vegana é reconhecer o valor intrínseco de todos os seres, incluindo os humanos. Não há nenhuma forma de criarmos o tipo de mundo que reflicta os nossos princípios se practicarmos a nossa filosofia selectivamente em vez de holisticamente. Devemos empenhar-nos em trazer uma consciência liberatória às nossas vidas minuto-a-minuto, às nossas relações mais próximas assim como às nossas interações com estranhos, com aqueles com os quais podemos discordar veementemente assim como com aqueles que chamamos de camaradas. Dessa forma, damos o exemplo aos não-veganos dos princípios que lhes pedimos que aceitem, cultivamos vidas mais satisfatórias e sustentáveis enquanto veganos e enquanto activistas, e criamos um movimento mais unificado e poderoso. 

Uma consciência liberatória reflecte a curiosidade – uma mente aberta – em vez de rigidez e defensividade ideológica ou intelectual. O objectivo é procurar a verdade, aprender e compreender, ao invés de estar “certo”. Se valorizarmos a curiosidade como um princípio central de uma consciência liberatória, então nós valorizamos, em vez de menosprezar, aqueles cuja procura pela verdade possa ter gerado ideias com que discordamos. Por exemplo, James McWilliams foi duramente criticado por mudar a sua posição em certos assuntos depois de os examinar mais atentamente. No entanto, concordemos ou não com as suas ideias, a abertura de McWilliams à informação que desafiava as suas perspectivas anteriores, e o seu empenho em procurar (e falar) a verdade acima do estar “certo” reflecte verdadeira integridade intelectual. 

Uma consciência liberatória reflecte a compaixão – um coração aberto – ao invés de julgar, envergonhar ou violentar (bullying). O objectivo é ligar e empatizar com o outro, e dar-lhe poder. O julgamento é sempre humilhante, pois reflecte uma atitude de superioridade e provoca que o outro se sinta inferior, “menos-que”. E a violência (bullying) é o uso da agressão para intimidar outra pessoa para que faça (ou acredite) o que nós queremos. Podemos defender apaixonadamente um sistema de crenças de libertação total, mas se as nossas ações são de julgamento, humilhação, ou violência (bullying), estamos a oprimir e não a libertar. Além disso, quando praticamos a compaixão, desarmamos a nossa raiva, que é um grande obstáculo ao diálogo productivo. A raiva é uma resposta normal e apropriada à injustiça, mas quando deixamos de examinar e processar a nossa raiva, ela pode crescer e tornar-se crónica. E quando comunicamos num estado mental enraivecido, inevitavelmente projectamos hostilidade. As nossas palavras – faladas ou escritas – estão cheias de acidez, de indignação moralista. A raiva é uma emoção profundamente desconectante; cria muros defensivos em nós próprios e nas pessoas com quem comunicamos. Se o nosso objectivo é sermos ouvidos, precisamos que o outro se abra a nós, sinta uma ligação a nós – que sinta a nossa compaixão.

E uma consciência liberatória reflecte a coragem de praticar a curiosidade e a compaixão nas nossas interações e nas nossas vidas. Qualquer interacção que não reflicta a curiosidade e a compaixão é inerentemente não-liberatória.

Como veganos pedimos ao mundo algo que nunca foi pedido antes. Estamos a pedir uma transformação social radical, uma verdadeira revolução da consciência. O nosso movimento, a nossa voz, é fundamental para tirar o mundo da beira do abismo onde se encontra. E apesar de estarmos a conseguir ser ouvidos acima do barulho, imagina só quão mais poderosa seria a nossa mensagem se parássemos de gritar uns com os outros. E imagina o tipo de mundo que podemos criar se nos empenharmos em falar a linguagem da libertação.

Traduzido por João Madureira.
Artigo traduzido com a permissão do autor.
Artigo original: Our Voices, Our Movement: How Vegans Can Move Beyond the “Welfare-Abolition Debate”