Abolicionismo ou Reformismo

Nota: O texto e imagens contidos neste artigo baseiam-se nos factos à altura da sua primeira publicação (25.03.2008).

ou que tipo de activismo irá eventualmente conduzir aos direitos dos animais

Bem-estar animal e direitos dos animais

O bem-estar animal e os direitos dos animais são duas coisas fundamentalmente diferentes. O bem-estar surgiu nos tempos modernos através de literatura de meados do séc. XVIII. O primeiro grupo de bem-estar animal, o RSPCA de Inglaterra, foi fundado em 1824, e o primeiro na Áustria, o WTV, surgiu em 1846 em Viena. A primeira lei austríaca referente a animais foi introduzida no mesmo ano. O bem-estar animal é motivado por compaixão e empatia, sendo o seu objectivo reduzir o sofrimento dos animais ao mínimo “necessário”. Os primeiros grupos de bem-estar animal dedicavam-se principalmente a ajudar animais necessitados, especialmente animais de estimação, ou seja, animais que vivem em lares de humanos enquanto companheiros. Matar animais não é um tema no âmbito do bem-estar. A partir do momento que seja feito sem dor, matar não é uma preocupação ética. O paradigma em que os animais servem para uso humano não é questionado por este princípio e, desde que este uso seja levado a cabo de forma “humana”, não existe nada de errado com ele. O bem-estar animal não levanta a questão da relação animal-humano na sociedade como um todo. O principal objectivo é aliviar o sofrimento, e não mudar a sociedade de uma forma política. O bem-estar animal pede aos humanos para serem boas pessoas, gentis para os animais, e para mostrarem empatia e compaixão.

Os direitos dos animais são um tipo de ideologia bem diferente, que requer que todos os humanos respeitem os mesmos direitos básicos para todos os animais não humanos. O valor dos animais não é determinado pela sua utilidade para os humanos. O indivíduo animal deixa de ser um objecto e passa a ser um sujeito, já não é uma coisa, mas sim uma pessoa. As primeiras ideias neste sentido na sociedade moderna chegaram através de Lewis Gompertz no início do séc. XIX. No final do mesmo século, Henry Salt havia fundado a primeira organização de direitos dos animais, a Liga Humanitária. A ideologia dos direitos dos animais não pretende minimizar o sofrimento “necessário”. O seu objectivo é antes atingir os direitos básicos para todos os animais, garantindo a sua autonomia de poder determinar as suas vidas por si mesmos. Assim, matar animais torna-se num problema central. Não existe nenhum acto que restrinja mais a autonomia de um animal mais do que violentamente matá-lo, ou matá-la. Esta ideologia pretende mudar a relação animal-humano na sua raiz, e este movimento é fundamentalmente político, a sua demanda é justiça, a motivação é combater a injustiça no mundo.

Desde o bem-estar até aos direitos dos animais

Desta análise, podemos concluir que os direitos dos animais são um tema tão diferente do bem-estar que o caminho que leva até um deverá ser bem diferente desde o início, comparando com o caminho que leva até ao outro. Como poderá o pensamento no bem-estar animal, sem questionar o paradigma básico de que os animais não humanos existem para colmatar as necessidades humanas, levar até aos direitos dos animais? Pior, não poderá uma boa prática de bem-estar animal, como uma boa pecuária ou matança “humana”, dificultar qualquer avanço no pensamento crítico neste assunto?

No entanto, as coisas não são tão lineares. O primeiro indício disto poderá ter sido que o primeiro pensador nos direitos dos animais, Lewis Gompertz, que chegou a exigir que a humanidade fosse vegana (sem atribuir ainda este nome), foi também co-fundador da primeira sociedade de bem-estar animal do mundo, a RSPCA. Mas num exemplo ainda mais concreto: não terá sido a primeira motivação da maioria para pensar nestes assuntos iniciada pela empatia e compaixão sentidas quando se assistiu a abusos a animais? Não terá sido o poder desses sentimentos motivaram várias pessoas a analisar a questão e eventualmente chegar à ideia de direitos dos animais? Não são ainda quase todos os activistas dos direitos dos animais de hoje, pelo menos em parte, influenciados por estes sentimentos de ajudar animais necessitados em santuários, sentindo-se incapazes de se divertir em actividades de lazer por causa do pensamento incómodo de animais a sofrer à mão do homem que os impede de desligar? Será de todo psicologicamente possível sacrificar toda a vida pessoal na causa dos direitos dos animais sem compaixão e empatia como motivação? Não terão todas as pessoas que chegaram ao veganismo começado por reduzir o consumo de carne, mudar para produtos animais biológicos, ou pelo menos ser ovolactovegetariano durante um tempo, o que também implica uso de animais? Não significará isto que a diferença filosófica fundamental entre bem-estar animal e direitos dos animais será uma separação que não existe na realidade psicológica?

Uma observação atenta sugere isto mesmo. No presente, as leis para os animais austríacas já deixaram para trás os ideais puros de bem-estar animal acima mencionados. Vejamos alguns exemplos de leis que banem até as práticas mais “humanas” de utilização de animais não humanos em certas áreas:

  • §6 (2) Lei animal: Cães e gatos não podem ser utilizados para produzir nenhum produto animal, como peles ou carne.
  • §25 (5) Lei animal: É proibido criar qualquer animal para o propósito de produzir peles.
  • §27 (1) Lei animal: É proibido criar ou utilizar qualquer animal não doméstico em quaisquer actividades num circo, mesmo que esses animais não sejam utilizados para fins lucrativos.
  • §3 (6) Lei de testes em animais: É proibido utilizar qualquer primata, como chimpanzés, bonobos, gorilas, orangotangos ou gibões, para qualquer propósito experimental, se esta experiência não for do interesse do próprio indivíduo primata.

Adicionalmente, algumas leis para animais alteram a relação animal-humano na sociedade e contrariam o paradigma de que os animais existem para os humanos os usarem a seu bel-prazer. 

  • §285a Lei do Código Civil: Animais não são objectos.
  • Constituição: O estado protege a vida e o bem-estar dos animais enquanto coabitantes com os humanos.
  • §41 Lei animal: Em cada região, devem ser instituídos solicitadores de animais regionais, financiados pela própria região, para que estes se envolvam em todos os casos de tribunal respeitantes da lei animal, tendo acesso a toda a documentação dos tribunais, podendo convocar testemunhas, submeter testemunhos de perícia e apelar contra veredictos em nome dos animais envolvidos.

Na Áustria, existem ainda leis já estabelecidas que proíbem explicitamente a matança de animais, independentemente do grau de dor e de abate “humano”, nas seguintes circunstâncias:

  • §6 (1) Lei animal: É proibido matar qualquer animal sem motivo legítimo.
  • §222 (3) Lei criminal: É proibido matar animais vertebrados sem motivo legítimo.
  • Constituição: O estado protege a vida dos animais enquanto coabitantes com os humanos.

Politicamente, podemos assim verificar uma transição contínua desde um estado de leis que não restringem qualquer uso animal, até direitos dos animais completos que consideram um igual valor para as vidas de cada indivíduo:

Sem restrição no uso de animais
→ protecção indirecta (proibição de abuso animal que cause perturbação a humanos)
     → protecção directa mínima (proibição de bater em animais “demasiado”)
          → protecção relevante de animais economicamente irrelevantes (“animais de estimação”)
               → restrição relevante do uso económico de animais (por exemplo, proibição de jaulas)
                    → restrição radical do uso económico de animais (apenas criação ao ar livre)
                         → proibição de matar
                              → “direitos fracos” de acordo com Mary Midgeley
                                   → o único direito: colocar em prática leis animais
                                        → direitos básicos para alguns animais (por exemplo, Great Ape Project)
                                             → direitos básicos para todos os animais
                                                  → valor idêntico de vida e sofrimento para todos os animais (incluindo humanos)

Assim, concluímos que apesar de existir uma grande disparidade filosófica entre bem-estar animal e direitos dos animais, psicológica e politicamente existe uma continuidade entre os dois. Isso significa, por um lado, que é pelo menos possível, senão provável, que uma pessoa evolua psicologicamente da utilização de animais, através do bem-estar animal, até aos direitos dos animais. Por outro lado, isto prova também que é no mínimo possível – mesmo que não tenhamos facultado evidências desta probabilidade ainda – que a sociedade evolua politicamente da utilização de animais, através do bem-estar animal, para os direitos dos animais. O mínimo que podemos alegar com certeza neste ponto é que tal curso de evolução não está excluído à partida.

A forma mais fácil de viver: consumo de produtos animais de exploração intensiva

A experiência empírica de décadas de activismo vegano demonstra que é bastante difícil levar a mensagem dos direitos dos animais até à maioria das pessoas. A forma mais fácil de fazer alguém iniciar-se no estilo de vida vegano é expor a pessoa a um ambiente social vegano. Os grupos de activismo dos direitos dos animais recebem muitos activistas novos que não são veganos no início da sua actividade. Ainda assim, e mesmo sem motivos racionais para tal, esses activistas habitualmente tornam-se rapidamente veganos durante a presença nestes grupos, sem pressão nesse sentido. Para animais sociais como os humanos, o ambiente social tem uma influência muito forte no seu comportamento. Isso, no entanto, significa por outro lado que, numa sociedade estritamente especista como a nossa, a maioria das pessoas que nela são educadas e nela vivem irão desenvolver maneirismos e pensamentos especistas. Será bastante complicado alterar esta realidade, especialmente sem nada mais que argumentos racionais.

Imagine-se que este grupo de pessoas especistas são subitamente influenciadas por um artigo mediático, por uma passagem por um festival vegano, ou por uma longa conversa num estabelecimento vegano, entre outros eventos, e que ganham desta forma consciência do problema, desenvolvendo a vontade de se tornarem veganas. O que acontece com frequência então é que este efeito não dura por muito tempo e, mais tarde ou mais cedo, essas pessoas tornam a consumir produtos animais, independentemente do nível de convencimento que tinham para com o veganismo antes. Qual o motivo para isto?

Numa sociedade tão estritamente especista como a nossa, um estilo de vida vegano requer imensa energia. Existe a pressão psicológica de não se ser considerado “normal”, e de dar nas vistas socialmente. Subitamente entra-se em conflito dentro dos círculos de amigos e família. Por um lado, eles vão considerar a pessoa complicada ou mesmo fundamentalista por ter um cuidado especial no que come ou compra, ou por ler detalhadamente as listas de ingredientes. Por outro lado, poderão também sentir-se alvo de crítica pelo simples comportamento da pessoa vegana: afinal de contas, a recusa de comer o mesmo que eles é uma afirmação ética.

Mas os problemas não acabam aí. No local de trabalho, nas actividades de lazer, nas idas diárias às compras, nos restaurantes, e outros locais, a escolha de se viver vegano requer constantemente muita energia para que se justifique este comportamento, para levantar questões desconfortáveis, por se afectar a paciência de outras pessoas, para não se comprar algo que de outra forma se gostaria de comprar, e para não se comprar o mais barato e acessível. O gasto de tempo e energia são constantemente maiores do que se não se seguisse este estilo de vida, e isso desgasta a motivação original até das pessoas com maior força de vontade. Adicionalmente, e apesar do grande investimento pessoal, não parece existir nenhum retorno! A quantidade de animais abatidos não diminui e a sociedade não parece mudar minimamente. Lentamente, a motivação inicial esmorece até que existe um reajuste e se retoma a vida anterior, terminando a experiência vegana. Isto sucede especialmente em alturas de crise, ou quando existem grandes mudanças na vida, como uma mudança de emprego ou de relação amorosa, quando se inicia uma família ou se muda de casa. O stress adicional ou o facto de que subitamente outros assuntos exigem toda a atenção pode levar a um afastamento do veganismo. A motivação para investir tempo e energia dessa maneira simplesmente desaparece.

Estas observações podem ser simplificadas através da figura seguinte:

A forma como a sociedade está organizada – o sistema – altera a forma de linha contínua desde o uso animal sem restrições, através do bem-estar animal, até aos direitos dos animais (parte superior da figura), para uma superfície estruturada (parte inferior da figura). Os indivíduos humanos podem ser considerados como esferas nesta superfície. Sem nenhuma adição externa de energia, as esferas irão deslizar rapidamente até à concavidade. Na nossa sociedade, isso significa consumir produtos de animais de exploração intensiva. Se alguém quer desfrutar de assistir a lutas ilegais de animais ou de tortura animal, então essa pessoa irá subir na curva à esquerda. Como essas actividades são ilegais e têm má reputação, exige bastante energia para se manter no topo dessa curva, e esse declive é acentuado. É necessária grande motivação para se manter nesse topo. Se o interesse for perdido, rapidamente haverá um deslize de novo para a concavidade.

Por outro lado, se alguém evolui na direcção do uso exclusivo de produtos biológicos de animais criados ao ar livre, ou até do vegetarianismo ou veganismo, então essa pessoa desloca-se para a direita. Também é uma escalada nesta direcção, e para se manter aí, ou deslocar cada vez mais para a direita, a energia necessária é gradualmente maior. Aqueles que não conseguem gerir esse dispêndio de energia, e perdem motivação para investir consistentemente nessa subida, irão tornar a deslizar para a concavidade. Seguindo as opções mais populares, o destino mais provável é o consumo de produtos de animais de exploração intensiva, levado a cabo pela maioria. Essa é, de longe, a forma mais fácil e menos exigente de se viver.

Na direcção de uma sociedade vegana através de mudança do sistema

Para um evento único como uma pessoa tornar-se vegana ter um efeito político global na sociedade, teria de acontecer em massa. Na Áustria, todos os anos 80.000 pessoas morrem e, da mesma forma, cerca de 80.000 pessoas nascem ou migram para o país. Para mudar a sociedade significativamente neste sentido, teria de haver uma taxa de pessoas a tornarem-se veganas bem acima deste número anual. Na realidade, estamos muito longe disso. O primeiro restaurante vegetariano ético do país abriu em 1878. Desde aí, e especialmente por volta de 1900, existiram muitos indivíduos e grupos que tentaram influenciar as pessoas a adoptar uma dieta à base de plantas. Porém, apesar de todos os seus esforços, falharam o objectivo até hoje. 130 anos de campanhas pelo vegetarianismo ou veganismo não tiveram grande impacto na sociedade. Parece que a pressão social na nossa sociedade especista impede um número suficiente de pessoas de se tornarem veganas para que existisse uma mudança global. Após 130 anos de tentativas, não existe nenhuma revolução vegana à vista, e não existem sinais de que isto vá mudar em breve.

Um estudo levado a cabo em 2004 pelo instituto austríaco IFES confirmou esta observação. Quando se perguntou às pessoas se concordavam com a proibição de jaulas para galinhas poedeiras na produção de ovos, 86% afirmaram que queriam ver esta proibição na prática. No entanto, ao mesmo tempo, 80% dos ovos comprados na Áustria provinham exactamente deste tipo de produção. Claramente, embora a maioria das pessoas já estivesse convencida de que animais enjaulados são um abuso antiético, continuavam a comprar os produtos que aparentemente desaprovavam. Isto não sucedia por falta de informação, já que quando questionadas em supermercados as pessoas demonstraram estar a par da realidade. Afinal de contas, os ovos de sistemas de jaulas estão hoje em dia claramente marcados como tal, quer no ovo quer na embalagem. A explicação para este fenómeno é simples, os ovos de produção em jaulas estavam disponíveis em todo o lado, eram os mais baratos, estavam em todos os produtos como massas e bolos, e eram servidos nos restaurantes e hotéis. Para evitar este tipo de ovos exigiria um grande comprometimento, e as pessoas não se encontravam preparadas para tal, especialmente porque muitos dos que o faziam não viam qualquer mudança na sociedade, e a curto prazo desistiam por esse mesmo motivo. Se alguém escolhe a forma mais fácil de viver seguindo as práticas mais comuns, terá de consumir ovos de produção intensiva, independentemente de sentir que possa ser antiético ou que deva ser proibido.

No entanto, o movimento dos direitos dos animais também pode utilizar para seu benefício esta atitude da maioria das pessoas, de seguir as práticas comuns num estilo de vida de menor resistência. Já observámos que a forma mais fácil de influenciar as pessoas para o veganismo será expô-las a um ambiente social vegano. As seitas religiosas usam esta nossa característica de animais sociais ao formar grupos fechados e unidos, afastados do mundo exterior, nos quais a seita pode manter um estilo de vida que o resto da sociedade considera estranho. Se os membros da seita estivessem incluídos na sociedade “normal”, não seriam capazes de manter essa forma de vida. O movimento dos direitos dos animais, por seu lado, não se satisfaz com o estabelecer de pequenas comunidades veganas dentro de uma sociedade maior. O movimento pretende mudar a sociedade como um todo. Como se poderá então atingir isso?

Observemos os dados. Em 1996, o movimento pelos direitos dos animais austríaco decidiu lançar uma campanha contra animais selvagens nos circos. Nessa altura, a maioria das pessoas provavelmente não tinha uma opinião no tema, mas dentro dos restantes, a maior parte certamente apoiava animais selvagens nos circos e não via motivo para considerar esta tradição como antiética. A comunicação social, de igual forma, favorecia este tipo de circo. Porém, em 2005, foi conseguida uma proibição de animais selvagens em circos. Consequentemente, não restaram circos deste género na Áustria, nem entravam nenhuns vindos do estrangeiro. Desde esse ano, ninguém no país pode aceder a espectáculos de circo com animais selvagens.

Ainda assim, ninguém tem saudades deles! A campanha teve uma taxa de sucesso de 100% em mudar o comportamento dos austríacos, apesar de que durante a campanha ninguém tentou mudar a mentalidade de cada indivíduo. Essa nunca foi a estratégia. Em vez disso, a campanha simplesmente removeu tais circos da Áustria. Mesmo não mudando a mentalidade das pessoas, isto alterou o seu comportamento. Em vez de irem até ao circo, começaram a passar o seu tempo com as crianças de outra forma. A mudança no sistema – deixaram de existir circos com animais selvagens – levou a uma mudança de comportamento de 100%. Na figura acima isso significaria uma deslocação da concavidade para a direita, na direcção de maior bem-estar animal. A forma mais fácil de viver tornou-se numa sem circos de animais selvagens. Para manter essa forma de viver, isto é, para continuar a ir a circos com animais selvagens, isso significaria um gasto de energia enorme, que ninguém está disposto a fazer.

Mas os efeitos das mudanças no sistema vão ainda mais longe que isso. Hoje em dia, a comunicação social já começou a retratar negativamente os circos com animais selvagens no estrangeiro. As regras de socialização, tal como esquematizado acima, pressupõem que após 1 ou 2 gerações terem crescido numa sociedade onde os circos de animais selvagens foram banidos por razões éticas, as suas atitudes mudam também. Esses circos começaram a ser considerados como um abuso animal de tempos passados, quando existia menos respeito pelos animais. Essa opinião é cada vez mais comum na Áustria dos dias de hoje.

Outro exemplo que sustenta esta visão é a campanha contra os ovos de produção intensiva. Em 2005, o movimento pelos direitos dos animais lançou uma campanha para remover os ovos de produção intensiva das prateleiras dos supermercados austríacos. De lembrar que, nesta altura, 86% da população considerava este modo de produção antiético, mas apenas 20% agia em conformidade com essa crença, não comprando o produto. Esta campanha, de novo, não visava mudar a mentalidade das pessoas, o que teria sido afinal de contas inútil, visto que a maioria já se opunha à produção intensiva de ovos. A campanha teve sucesso, em 2007 já era impossível comprar qualquer ovo deste modo de produção na Áustria, incluindo ovos de um sistema de jaulas alargadas.  

O que aconteceu aos consumidores? Eles adaptaram-se rapidamente. Ninguém sentia saudades de ovos de produção intensiva, e a forma mais fácil de viver passou simplesmente a ser não comprar ovos destas indústrias e, como tal, foi isso que aconteceu. A campanha, novamente, não mudou as mentalidades, mas antes a mudança do sistema teve uma taxa de sucesso de 100% em mudar os comportamentos: ninguém mais comprou ovos de produção intensiva.

Os dados demonstram evidências claras: enquanto tentar mudar as mentalidades das pessoas tem um impacto muito limitado, com muito pouca influência nos comportamentos, a mudança do sistema leva a taxas de 100% de sucesso em mudar o comportamento das pessoas. Aplicando estas conclusões ao veganismo, teremos de concluir que os activistas da política de direitos dos animais devem primeiro tentar mudar o sistema, visto que alterar mentalidades é uma estratégia com poucas hipóteses de mudar a sociedade, e se essa for a única estratégia praticada não terá qualquer efeito global.

Olhemos um exemplo. Digamos que queremos recuperar alguma parte do terreno da zona pouco profunda do mar, para implementar um novo espaço habitável. Tentar mudar as mentalidades das pessoas será como tentar remover a água do mar com uma colher. Podemos conseguir retirar algumas gotas, mas o panorama global não altera. Não conseguiríamos ter pessoas suficientes a remover gotas com colheres para secar a terra. Uma mudança de sistema, no entanto, seria como construir uma barragem com uma escavadora. Assim, a água nesta área estaria isolada da água do mar, e o sistema mudou. Não teremos de remover a água agora, bastará deixar que siga o seu curso, e evaporar até que possamos utilizar o terreno. A mudança de sistema não removeu gotas individuais, mas levou a uma mudança duradoura da situação geral.

Na figura acima da superfície estruturada, uma mudança de sistema significaria mover a concavidade para a direita. Se conseguirmos fazê-lo, então as pessoas irão seguir nesse sentido e recair na nova concavidade, vivendo de uma nova forma. Para isto não é necessário persuadi-las uma a uma. Os ovos de produção intensiva já não estarem disponíveis é um exemplo de uma movimentação da concavidade para a direita, na direcção dos ovos de galinhas do campo se tornarem a norma, que constituem um melhor bem-estar animal. Como objectivo final, necessitamos de apontar para mover a concavidade completamente para a direita, na direcção dos direitos dos animais e veganismo. Quando não existirem mais produtos não veganos disponíveis no mercado, então as pessoas irão tornar-se veganas e, dentro de algumas gerações, será a atitude adoptada pela sociedade como um todo.

Mudança do sistema pelo enfraquecimento da indústria animal

Como poderemos mover o sistema na direcção do veganismo? Em democracia parlamentar, o princípio é que a população possa decidir como o sistema é dirigido. Na prática, e especialmente visto que a nossa sociedade apresenta uma democracia representativa e não directa, aplicar o princípio não é fácil. Os eleitores só podem votar a cada 5 anos, e apenas em meia dúzia de partidos, ou seja, ao votar eles têm de apoiar um conjunto grande de opiniões, e não apenas uma.

Ainda assim, elegemos partidos para o governo. Eles não irão fazer exactamente o que corresponde às nossas preferências, mas se as suas decisões se desviarem o suficiente da nossa opinião, iremos causar agitação social, algo que os partidos visam evitar. Se surgir uma revolta, eles irão querer resolvê-la. Por outro lado, se não existirem conflitos, e tudo estiver calmo, sendo as críticas sempre introduzidas num tom amigável e tolerante, isso será sinal de ausência de verdadeira insatisfação, o que fará com que o governo não arrisque mudanças para que possa atingir tranquilamente a reeleição.

Assim, as mudanças no sistema apenas surgem através de conflitos na sociedade. Começa com um segmento da sociedade a mostrar-se decididamente insatisfeito com o status quo num determinado tema, e a causar uma agitação. Se essa agitação crescer e se tornar num conflito generalizado, o governo será forçado a reagir, tentando com que a situação não escale a ponto de serem retirados das suas funções. Isso significa, num conflito entre dois lados, que o governo irá favorecer aqueles que, sendo mais capazes de aprofundar o conflito, causem maior revolta e pressão política. Se o público favorece um ou outro partido no conflito isso também pode obviamente ser de importância vital. Uma revolta criada por um dos lados irá criar muito maior pressão política se, aos olhos do público, essa causa for justa.

Na causa animal, o conflito ocorre entre o movimento dos direitos animais e aqueles que exploram os animais. Designemos estes últimos por indústria animal. O conflito social por uma mudança de sistema na direcção do fim da exploração dos animais, isto é, do veganismo, é então um conflito directo entre o movimento dos direitos dos animais e a indústria animal. O grupo que seja capaz de produzir maior pressão política irá vencer no final. O público mantém-se indiferente num momento inicial, e é o alvo da guerra de propaganda entre as duas facções, cada uma tentando trazer a opinião pública para o seu lado. Visto que a indústria animal é bastante poderosa e tem bastante influência política, uma mudança de sistema contra a mesma será bastante difícil, mas possível. É muito importante distinguir neste momento entre indústria animal, que são os inimigos da mudança, o público enquanto observador, cujo apoio é o que ambas as partes buscam, e o governo, que desempenha o papel de juiz, e o qual ambos os lados procuram pressionar politicamente.

Ao pensar sobre teoria política, é fundamental basear o pensamento em informação e experiência directa para perceber se ainda estamos conectados com a realidade, e não no campo do sonho e ficção. A política é a arte de mudar a sociedade, é consequencialismo puro, isto é, o seu valor deve ser julgado apenas pelas suas consequências. Uma boa política leva a uma sociedade melhor, uma má política piora a sociedade. Para causar mudanças políticas, existem imensos parâmetros desconhecidos a influenciar o resultado. Como tal, o pensamento estritamente teórico pode muito facilmente ser inconsequente. Como poderemos saber, por exemplo, que certo factor que aponta numa direcção vai ter um efeito maior ou menor que outro factor, que aponte na direcção oposta? Apenas é possível através de experiência prática. Que tipo de experiência podemos prover neste contexto? O que revelam os dados experimentais sobre a teoria aqui apresentada?

A campanha contra os circos de animais selvagens na Áustria foi dirigida contra os próprios circos, e apenas marginalmente dirigida ao público. A táctica passou por protestar consistentemente no exterior de cada um dos espectáculos em todos os circos de animais selvagens austríacos, de forma a afectar a diversão dos visitantes do circo. Os circos recorreram a violência e atacaram fisicamente vários activistas em diferentes ocasiões, por vezes com gravidade e premeditadamente. O movimento ripostou com três ataques incendiários. Adicionalmente, os circos processaram várias vezes a campanha, enquanto os activistas denunciaram às autoridades falhas no cumprimento dos regulamentos. Após 6 anos, todos os circos de animais selvagens tinham falido. O governo não tinha ainda reagido, visto que o conflito não tinha atingido proporções globais na sociedade, nem o público ou a comunicação social estavam atentos aos episódios.

No final, não sobraram circos de animais selvagens e, sem qualquer oposição, foi fácil introduzir uma proibição. Através do enfraquecimento e eventualmente destruindo por completo a indústria animal neste conflito, uma proibição e uma mudança duradoura no sistema foi atingida.

Outro caso de estudo é a campanha contra produção animal intensiva em jaulas. Neste sector, a indústria animal era bastante poderosa e não poderia ser desafiada directamente. Ao ameaçar com um desastre económico, desemprego, fecho de indústrias locais de relevância e uma grande redução nas contribuições fiscais, a sua influência nos governos locais, regionais e federais era imensa. O movimento dos direitos dos animais não tinha capacidade de lhes fazer frente. Ainda assim, no que diz respeito a produção animal em jaulas, o movimento não estava completamente desapoiado pelo público. Com o andar das décadas, as pessoas tinham sido informadas de que a produção intensiva em jaulas é a representação maior de abuso animal. Até a literatura infantil abordava este assunto, e em todas as escolas isto era debatido. É por esse motivo que, em 2004, já 86% do público estava a favor de uma proibição da produção intensiva em jaulas.

No entanto, a opinião pública por si só não mudaria nada. Como já foi descrito, 80% das pessoas ainda compravam ovos deste tipo de produção, e o governo não tinha motivo algum para agir, visto que não existia nenhum conflito patente. Nesta situação, o movimento dos direitos dos animais decidiu começar uma campanha para a proibição de todas as jaulas na produção intensiva, incluído as descritas como jaulas enriquecidas (com mais espaço para os animais). No parlamento, a situação era favorável, visto que os socialistas e os verdes na oposição, cerca de 50% dos deputados, poderiam ser conquistados como aliados. Apenas os conservadores no governo permaneciam firmes contra esta coligação, influenciados pela pressão da poderosa indústria animal.

Esta é a razão por que o movimento começou a focar-se nos conservadores e atacou-os em cada uma das seguintes 3 eleições (2 eleições regionais e uma presidencial). Os cartazes eleitorais conservadores foram removidos ou desfigurados em larga escala, e muitos cartazes anticonservadores surgiram em todo o lado. Foi ao ponto de os conservadores contratarem empresas de segurança para vigiar os seus cartazes de noite, e ocorrerem vários conflitos com os activistas dos direitos dos animais. Adicionalmente, os activistas começaram a perturbar as campanhas eleitorais dos conservadores e organizaram uma campanha anticonservadora com uma mensagem clara: aqueles que votam nos conservadores, votam na produção animal intensiva em jaulas. No pico deste conflito, no dia anterior às eleições numa região, o líder do partido conservador saltou do palco onde estava a dar o seu último discurso de campanha e atacou um activista dos direitos dos animais, esmurrando-o na face e rasgando o seu cartaz. No dia seguinte, este episódio foi manchete principal em todos os jornais: líder do partido conservador esmurra activista animal! Desta forma, o partido conservador perdeu 50% de votos nesta eleição!

Noutra região, onde os conservadores tinham estado no poder, estes perderam a maioria para os socialistas, e nas eleições presidenciais a pressão acumulada tornou-se tão grande que a sua candidata presidencial sentiu-se obrigada a dizer, na sua última conferência de imprensa, que ela, pessoalmente, não apoiava a indústria intensiva. Quando os conservadores perderam ainda mais esta eleição, cederam por completo. A pressão política do movimento dos direitos dos animais tinha excedido a influência política da indústria animal. Em 2005, uma proibição completa de todas as jaulas para galinhas poedeiras, incluindo as jaulas maiores, foi deliberada no parlamento e passou a vigorar em 2009. Os que vivenciaram esta campanha na primeira pessoa concordam que foi a quantidade de pressão política que levou até esta decisão. Num conflito aberto, com a ajuda do favorecimento da opinião popular, o movimento venceu a indústria animal e forçou a poderosa indústria dos ovos a ceder, e isso abriu caminho para uma mudança no sistema. Hoje, tal como foi descrito, ninguém mais compra ovos de sistemas de jaulas. 

Vários outros exemplos poderiam ser mencionados, como a campanha contra as jaulas para coelhos, em que o governo foi forçado a retractar o seu “compromisso” de jaulas maiores e concordar com uma proibição completa em 2012. Porém, existe um outro exemplo que merece ser olhado em detalhe. Numa região do estado da Alta Áustria, existe a forte tradição de aprisionamento de pássaros canoros. Por este motivo, este estado constituiu estes pássaros como excepção à proibição geral de aprisionamento de animais. Quando a lei animal se tornou uma questão federal na Áustria, as proibições regionais de aprisionamento de animais tinham sido alargadas à Alta Áustria também, e o governo não tinha antevisto que esta proibição atingiria também esta forte tradição. Os caçadores são muito poderosos e têm influência na sua região, e todos os partidos políticos têm receio deles. Essa influência estende-se ao governo regional, mas não ao governo federal. Por outro lado, o movimento dos direitos dos animais tem muito maior capacidade de produzir pressão política a nível federal do que a nível regional na Alta Áustria rural. 

Assim, quando o governador regional da Alta Áustria se apercebeu que a nova lei iria banir o aprisionamento de pássaros na província, interveio e tentou fazer a ministra da tutela considerar uma excepção para esta prática na região. Sem qualquer outra influência, a ministra aceitou estas condições e elaborou essa proposta, altura em que o movimento dos direitos dos animais tomou uma atitude e lançou uma campanha desafiadora contra a ministra, com protestos diários no exterior do ministério durante meses, e perturbações em todas as suas aparições públicas. A ministra cedeu a esta pressão e não avançou com a proposta de excepção na lei. Porém, o governo regional, que detém o poder executivo na província e está sob a influência dos caçadores, decidiu simplesmente não executar a lei.

Desta forma vemos que apenas o conflito político na sociedade entre o movimento dos direitos dos animais e a indústria animal determina as leis e a sua execução. O lado que conseguir granjear maior suporte e criar maior pressão política num tema vence. A lei correspondente que daí sair determina o sistema social, que eventualmente define como as pessoas se comportam e como os animais são tratados. A opinião da maioria ou de uma pessoa singular na sociedade tem uma importância secundária. Mesmo uma grande maioria contra a produção intensiva de ovos não levou a uma proibição nem os impediu de serem vendidos, foi apenas a pressão política e a consequente mudança no sistema que mudou a sociedade e o modo como os animais são tratados.

As mudanças consecutivas de sistema abrem caminho aos direitos dos animais?

Os dados apresentados até aqui demonstram que uma mudança no sistema pode ser atingida através de conflito político contra a indústria animal. No entanto, para uma mudança no sistema levar até ao veganismo generalizado, isso significará terminar por completo todas as indústrias de animais. Será possível fazer toda esta indústria desaparecer através de vitórias passo a passo, responsáveis por reformas sucessivas no sistema?

De um ponto de vista puramente teórico, a continuidade psicológica e política do uso de animais, através do bem-estar animal, até aos direitos dos animais sugere que isto é realmente possível. Uma sociedade sem quaisquer restrições no uso de animais olha os animais não humanos como bens dirigidos ao uso humano, sem qualquer valor ético. Tal sociedade não terá nenhuma empatia nem compaixão pelos animais. O exemplo histórico da Áustria antes das primeiras leis animais serve de bom exemplo de uma sociedade com esta mentalidade.

A partir desse ponto na História, compaixão, bem-estar animal e leis referentes a animais começaram a desenvolver-se lentamente. Nesta fase, o vegetarianismo ético poderá ter começado a estruturar-se no final do séc. XIX. Lentamente, as primeiras ideias de direitos dos animais foram surgindo, e a partir da década de 1980 apareceu um sólido e próspero movimento de direitos dos animais. A ideologia dos direitos dos animais e do movimento por estes direitos têm as suas raízes psicológicas e políticas no bem-estar animal.

De forma semelhante, a evolução em pessoas individuais normalmente parte de compaixão e sentimentos pelo bem-estar animal, o que pode levar a menor consumo de produtos animais (provavelmente em vez do consumo da variante biológica destes produtos), pode levar também ao vegetarianismo, e eventualmente até à visão completa de direitos dos animais e veganismo. Psicologicamente, a compaixão e o bem-estar animal formam a base para os direitos dos animais também.

Podemos facultar dados adicionais para estas observações. Em 1998, depois de uma longa e árdua luta em campanha, a Áustria introduziu uma proibição de explorações de peles em 6 províncias. Nas restantes 3 províncias, uma nova lei animal restringiu o uso de animais para peles, passando apenas a ser legal manter raposas em chão natural e martas com acesso a água para nadar, sendo que as jaulas foram banidas. Contudo, este bem-estar animal clássico baseado na ideia de exploração mais “humana” resultou 7 anos mais tarde numa completa proibição de todas as explorações de peles, e da posse de quaisquer animais com o intuito de usar as suas peles. Esta lei vai obviamente além do bem-estar animal e na direcção dos direitos dos animais, passando uma mensagem de que os animais não humanos não existem apenas para o benefício dos humanos, visto que o benefício de obter as peles deixou de justificar manter e matar animais, mesmo que da forma mais “humana”. Esta completa proibição de explorações de peles é então um avanço maior do que a proibição das jaulas apenas, na direcção dos direitos dos animais na linha de continuidade desde bem-estar até aos direitos, e surgiu sobre a base de uma anterior lei de bem-estar. 

A proibição da exploração animal significa que a indústria das peles foi enfraquecida, visto que pelo menos na Áustria este sector de produção foi completamente extinguido. Por outro lado, a proibição das explorações de peles não reduziu a quantidade de peles à venda no país, sendo que os negociantes de peles transitaram para importação. Será então que isso significa que uma proibição de explorações animais não pode ser considerada um progresso na direcção dos direitos dos animais?

O movimento dos direitos dos animais austríaco apenas pode modificar directamente este panorama na Áustria. Porém, as explorações de peles austríacas são um exemplo a seguir para outros países, e neste momento temos uma variante desta proibição pelo menos em Inglaterra, Escócia, País de Gales, Itália, Croácia, Países Baixos e Suécia. Se a proibição das explorações de peles está a ser replicada em cada vez mais países, e um dia alastrada a toda a UE, então uma proibição da importação poderá vir a ser introduzida, à semelhança da actual proibição da importação de produtos de gatos e cães, ou até possivelmente produtos de focas no futuro próximo. Isso representaria uma mudança no sistema ao ponto de todos os cidadãos da UE pararem de utilizar pele por completo. Não existe nenhuma razão para os outros continentes não seguirem o exemplo, com os seus movimentos de direitos animais a ganharem relevância política suficiente para pressionar por proibições das explorações nesses locais. Eventualmente, a produção de peles poderia desaparecer no mundo inteiro. Nesse sentido, uma proibição na Áustria será, sem dúvida, um primeiro passo para o fim das peles enquanto um produto de consumo, ou seja, o fim da exploração de qualquer animal pela sua pele.

Consideremos a proibição de produção intensiva de animais. Ao contrário da proibição da exploração de peles, proibir a produção intensiva não significou o fim da produção de ovos na Áustria. Apesar disso, esta proibição levou directamente a uma redução no número de ovos produzidos (e no número de galinhas exploradas) em 35%. Desde que a proibição entrou em vigor, o número de galinhas exploradas na Áustria desceu 35%. Existem dois motivos para este decréscimo. Em primeiro lugar, uma produção extensiva de ovos comporta cerca de metade do número de galinhas de uma produção intensiva com a mesma área, visto que as galinhas têm muito mais espaço e o número de pisos sobrepostos é limitado. Além disso, como as galinhas de produção extensiva podem mover-se livremente dentro do armazém, usam muito mais da energia que ganham através da alimentação em movimento e produção de calor, e necessitam do dobro da comida para produzir o mesmo número de ovos que as galinhas em jaulas, que não se conseguem mover. Isso significa que a produção de ovos com o novo sistema tem o dobro do custo.

A proibição de produção intensiva trouxe consigo uma redução drástica na quantidade de galinhas usadas e um aumento gigante de custos de produção por ovo. Até ao momento, a indústria dos ovos não se atreveu a traduzir esse aumento directamente no preço do ovo, visto que o preço é o que determina a escolha do consumidor. Se os produtos se tornarem mais caros, as vendas irão diminuir.

É então exactamente este efeito que o movimento dos direitos dos animais pode utilizar para os seus objectivos. Se o movimento conseguir, contrariando a resistência da indústria animal, introduzir novas leis animais mais rígidas, que reduzem a capacidade de produção e aumentam o custo, poderão enfraquecer grandemente a indústria. Os consumidores irão comprar menos dos produtos mais caros, mesmo que não tenham alterado a sua opinião sobre os motivos éticos. Carne e ovos muito caros serão considerados artigos de luxo, que podem ser consumidos com menor frequência. A indústria animal que sobreviver irá diminuir imensamente, o que significa que, num próximo conflito com o movimento dos direitos dos animais, esta indústria limitada vai ter ainda menor influência e capacidade de resistir a eventuais reformas e restrições na exploração de animais. Desse modo, as alternativas veganas terão muito melhores hipóteses de concorrer no mercado livre, reduzindo-se as escolhas por produtos animais.

Relativamente à carne, a maior esperança para as alternativas veganas reside nos substitutos de carne à base de plantas e carne de laboratório, isto é, culturas de células musculares produzidas in vitro. Detalhes sobre esta alternativa podem ser encontrados aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/In_vitro_meat ou http://futurefood.org.

Se este tipo de comida do futuro se estabelecer no mercado, vai estar em competição directa com a carne de animais. Quando leis animais mais rígidas tornarem a produção de carne animal mais dispendiosa, haverá mais espaço no mercado para a carne de laboratório se desenvolver, o que aceleraria o processo de abolição da exploração animal, já que indústria animal enfraquecida resulta em leis animais mais severas. Se a carne de laboratório conseguir erradicar por completo a carne tradicional, então uma proibição de exploração de qualquer tipo de animal irá surgir por si própria, objectivo que seria atingido sem ter tornado as pessoas veganas primeiro. De facto, a maioria das pessoas poderia continuar a comer o mesmo tipo de carne, consistindo no mesmo tipo de células, mas devido à continuidade psicológica entre bem-estar animal e direitos dos animais, uma mudança da atitude do público perante os direitos dos animais e veganismo seria de esperar. Quando toda a exploração animal estiver banida, os direitos dos animais serão estabelecidos rapidamente.

As reformas de bem-estar animal reforçam a atitude de que os animais apenas existem para uso humano?

Através do trabalho do movimento animal, o bem-estar animal tem hoje uma imagem positiva que está a ser utilizada com propósitos comerciais. A indústria animal começou a utilizar este factor para publicitar os seus produtos, frequentemente sem que as suas práticas de exploração correspondam de todo a um bem-estar animal. Assim, leis animais fracas, como um pouco de espaço adicional nas jaulas de galinhas, podem permitir tais manobras publicitárias sem requerer grandes alterações na produção, não aumentando o custo desta significativamente. Contudo, esse efeito não deve ser exagerado, visto que a indústria animal irá publicitar os produtos de qualquer das formas, e esses efeitos da publicidade não costumam durar muito.

Existe outro aspecto desta dinâmica que é frequentemente referido como um argumento contra as reformas bem-estaristas. Se determinados produtos forem vendidos como “amigos dos animais”, especialmente quando as organizações de bem-estar e direitos dos animais promovem esses produtos, os consumidores que estiverem preocupados com as questões dos animais e estiverem sensíveis aos argumentos dos direitos dos animais podem sentir-se tranquilizados e consumir mais destes produtos sem pensar duas vezes. Deste modo, tais reformas podem dificultar a mensagem dos direitos dos animais de que a exploração de animais não humanos deve ser questionada de uma forma fundamental.

A existência deste efeito e a sua importância é, no entanto, puramente uma questão psicológica e terá de ser confirmada ou desmentida pelos estudos no efeito das mensagens publicitárias. Neste momento não existem dados que fundamentem esta ideia, e não existe nenhuma indicação empírica de que este efeito tenha um impacto significativo na sociedade. Na realidade, existe um efeito contrário, que pode atingir consequências mais profundas. Afinal de contas, uma imagem positiva do bem-estar animal significa que a compaixão e a empatia pelos animais está a ser mais valorizada, o que implica que existe maior apoio para futuras reformas de bem-estar animal. Se as pessoas estiverem receptivas ao bem-estar animal e os seus fundamentos, então a experiência mostra que elas estarão mais preparadas para pensar em direitos dos animais, que têm a sua base psicológica no bem-estar animal e na empatia pelos animais.

Analisemos então os dados. Na Áustria, todos os anos as leis referentes a animais estão a evoluir. A velocidade com que estas reformas se desenvolvem e o grau em que elas aumentam as restrições no uso de animais seguem uma tendência crescente nos últimos anos. Certamente nos últimos 10 anos, foram introduzidas leis que restringem o uso de animais até um grau nunca antes visto. Relembre-se a restrição de explorações de peles em 1998, a qual foi seguida por uma proibição completa em 2005. Uma aparentemente fraca regulamentação de como os animais podem ser mantidos e usados em circos foi seguida por uma proibição completa 15 anos mais tarde. A lei que regulava as experiências em animais de 1988 foi actualizada em 2006, e passou a proibir por completo experiências em primatas. As regulamentações sobre como manter coelhos para produção de carne foram introduzidas em 2005, e evoluíram para uma proibição completa de todas as jaulas em 2008, que entrou em vigor em 2012. As regras relativas à exploração de galinhas poedeiras foram revistas em 1999, e de novo em 2003, evoluindo até uma proibição de todas as jaulas em 2005, que vigora desde 2009. Claramente, o desenvolvimento de leis animais está, na prática, a ser exponencial e com regras mais severas. Isto sugere a veracidade da noção proposta da existência de uma continuidade política que começa no uso de animais, passando pelo bem-estar, e terminando nos direitos dos animais. É também indicativo de que banir certos aspectos especificamente revoltantes no uso de animais leva a mais proibições e mais bem-estar animal, e segue na direcção dos direitos dos animais quando uma prática é banida por completo (como as explorações de peles), ou quando até a forma mais “humana” de abate é proibida. 

Uma lei animal mais restritiva num sector pode também desencadear maiores restrições noutros sectores, como quando, por exemplo, a proibição das jaulas para galinhas poedeiras em 2005 foi utilizada para justificar a introdução da proibição de jaulas de coelhos em 2008.

Será possível que quando um dado padrão de bem-estar animal é atingido, subitamente o processo seja interrompido e nenhuma evolução de leis animais possa ser leva a cabo na direcção do objectivo final dos direitos animais? Não existe indicação disso. Após a proibição de jaulas para galinhas poedeiras na Áustria, metade das maiores explorações simplesmente fechou, e a outra metade transitou para produção extensiva. Este novo tipo de produção corresponde a uma exploração clássica com 9 galinhas por m² (sendo que as jaulas levavam 16 galinhas por m²). Como todas as explorações intensivas estavam fechadas por esta altura, de imediato o alvo da crítica passou a ser este novo e mais dispendioso sistema de produção. Os grupos de direitos de animais recentemente formados, que nunca presenciaram a realidade das jaulas de produção intensiva, já invadiram explorações extensivas e revelaram imagens chocantes para a comunicação social, que se viu forçada a divulgar este material. O grupo de direitos de animais mais decisivo na obtenção da proibição da exploração intensiva lançou uma nova publicação de 40 páginas sobre a agricultura animal em 2008, que critica o sistema extensivo de ovos directamente, incluindo imagens explícitas, bem como todas as formas de exploração, exigindo mudanças na lei e apresentando a sugestão do veganismo. Até o gestor de uma grande cadeia de supermercados, que já tinha banido das suas prateleiras todos os ovos de produção intensiva há 14 anos, contactou os grupos animais revelando a sua intenção de também remover os ovos de produção extensiva no futuro. Assim, o que a experiência demonstra é que o ataque ao recentemente formado sistema de produção extensiva começou muito mais cedo que o esperado. Embora não exista muita margem de manobra política para introduzir uma nova proibição no curto prazo, esse tópico pode ser um tema sério de debate dentro de 10 anos. Se o processo está a ser repetido, ou seja, no lugar de uma proibição das jaulas, caminhamos para uma proibição da produção extensiva e consequente remoção destes ovos das prateleiras dos supermercados, o que impediria o movimento de continuar este processo até ao ponto em que toda a exploração de galinhas seja proibida, tal como sucedeu com a indústria das peles?

Se a consciência crítica dos aspectos de abuso a animais na indústria animal, bem como apoiar o bem-estar animal em si, são condições necessárias para os indivíduos se aproximarem dos direitos dos animais, é esperado que as sociedades com maiores padrões de bem-estar animal terão maiores movimentos dos direitos dos animais, maior propensão a um pensamento baseado nestes direitos, e maior quantidade de opções veganas disponíveis. Em contraste, sociedades com muito menores níveis de bem-estar animal deverão apresentar tendências opostas. De facto, confirma-se que este é o caso. Países europeus como a Inglaterra, Suécia ou Áustria têm padrões elevados de bem-estar animal e um movimento de direitos dos animais próspero. Por outro lado, países com muito baixo nível de bem-estar animal como a China parecem bastante desinteressados das questões animais, e o veganismo como uma escolha ética é desconhecido.

Se tivermos todos os aspectos em conta, os dados sugerem que reformas com leis animais muito restritivas não só não são obstáculo para os direitos dos animais, como até promovem o desenvolvimento da sociedade nesta direcção.

Aspectos adicionais do processo faseado de reformas

  • Que reformas são classificadas como abolicionistas e que reformas são classificadas como reformistas parece depender de uma ideologia particular. Gary Francione define 5 critérios, no seu livro Rain without Thunder (Temple University Press, Philadelphia, 1996), que determinam quando uma lei deve ser designada de abolicionista. Uma proibição completa de jaulas é referida por ele como um exemplo de uma lei abolicionista, ao contrário de uma lei que meramente aumente o espaço por galinha nas jaulas. Uma proibição de jaulas significa que o interesse do movimento pela liberdade das galinhas está a ser respeitado, como o autor refere, mesmo que este interesse não traga qualquer vantagem para a indústria que explora as galinhas. No entanto, a argumentação de Francione é puramente teórica, não facultando nenhuns dados que fundamentem estas sugestões, e a sua definição de abolicionismo parece ser deontológica e não consequencialista, mesmo que seja difícil ver como uma teoria de como se deve agir politicamente pode não estar completamente focada no grau em que a acção promove ou não o seu objectivo. 
  • A opinião de Lee Hall, publicada no livro Capers in the Churchyard (Nectra Bat Press 2006), é ainda mais radical. Para ela, qualquer lei, independentemente do seu conteúdo, desde que não garanta direitos plenamente iguais a todos os animais de uma vez, é uma lei reformista e deve ser rejeitada. A razão para a sua visão é que tais leis iriam implicitamente permitir alguma forma de exploração animal. Por exemplo, uma proibição de exploração de peles é permissiva com a produção de couro, e os direitos para todos os primatas são permissivos no que diz respeito à falta de direitos de animais não primatas. Hall chega a dizer que qualquer campanha que tenha um objectivo inferior aos direitos plenos dos animais e veganismo para todos é reformista, isto porque sugere que qualquer forma de exploração animal fora do seu âmbito é legítima. Ela resume até a actividade da Frente de Libertação Animal (ALF) como uma campanha reformista. Para a autora, o activismo vegano amigável é o único caminho que leva aos direitos dos animais, a única actividade verdadeiramente abolicionista. Porém, Hall não fornece quaisquer dados que fundamentem as suas ideias, nem no livro nem em forma de inquéritos, e sem dados que a suportem, a sua teoria parece altamente duvidosa. 
  • As reformas de leis animais geralmente melhoram a qualidade de vida dos animais individuais que sejam visados pela lei. Uma galinha poedeira numa jaula certamente terá uma vida muito pior que uma galinha num sistema de criação ao ar livre. Este aspecto, no entanto, por muito que possa ser do interesse capital dos animais, não desempenha qualquer papel na avaliação política do potencial de uma campanha caminhar no sentido dos direitos dos animais.
  • No mundo inteiro, mais de 2000 activistas foram até ao momento presos pelas suas acções no âmbito dos direitos dos animais, por terem quebrado leis especistas. De um ponto de visto da ética, a sua prisão é injusta e uma violação do seu direito à liberdade. Vários grupos apoiam, assim, estes prisioneiros, não apenas individualmente, como também com campanhas políticas. É solicitado ao público que sejam assinadas petições para melhorar o sistema prisional, como a proibição de celas de isolamento e a inclusão da disponibilidade de refeições veganas. Embora estes grupos desaprovem por completo o aprisionamento de activistas animais, decidiram que é mais vantajoso fazer campanha por objectivos realistas que possam ser alcançados e que podem melhorar a situação dos prisioneiros. Tais campanhas deverão ser, a todos os níveis, designadas de reformistas e não abolicionistas. Porém, os abolicionistas radicais não desaprovam delas. Surpreendentemente, ninguém questiona se estas campanhas não legitimam o aprisionamento dos activistas animais perante a opinião pública, ou se o seu sucesso em obter melhores condições na prisão irá servir para fortalecer o hábito na sociedade de prender activistas que tenham libertado animais. 
  • Campanhas actuais para obtenção de leis animais realistas produziram várias sociedades de bem-estar e direitos dos animais, que se tornaram poderosas e capazes de influência política. Quanto maior é uma destas sociedades, mais popular e moderada ela é. Na Áustria, no entanto, existe uma tendência clara de sociedades grandes em se tornarem mais radicais e pró-vegetarianas. Todos estes grupos em conjunto recolhem 30 milhões de euros por ano em doações só na Áustria, e mesmo se uma pequena parte desse dinheiro for gasto em espalhar a compaixão e empatia pelos animais entre o público, servirá para criar bases positivas para os direitos dos animais. Algumas destas sociedades promovem explicitamente o veganismo através da sua literatura. Se todos os grupos de activismo animal mudassem para campanhas puramente abolicionistas, iriam drasticamente reduzir o tamanho das sociedades veganas, e perderiam todas a sua influência e capacidade de promover o veganismo.  
  • Em princípio, utilizar imagens que mostrem abuso a animais particularmente chocante deve ser designado por propaganda reformista. Afinal de contas, essas imagens insinuam que manter estes animais sem este tipo de crueldade é correcto, o que significa que essas mesmas imagens não questionam a utilização dos animais, mas sim o seu abuso violento. Ao rejeitar tais conteúdos, no entanto, o movimento estaria desprovido da sua maior arma na guerra de propaganda. Na realidade, visto que existe uma continuidade psicológica desde o bem-estar animal até aos direitos dos animais, esses conteúdos produzem veganos e activistas dos direitos dos animais, o que de novo demonstra que o argumento abolicionista é falso.
  • Campanhas reformistas resultam em sucessos. Os últimos 10 anos de campanhas reformistas na Áustria produziram uma lista formidável de tais sucessos, que claramente tornam a lei animal austríaca na melhor do mundo. Estas vitórias são o combustível do activismo que, por ser uma actividade que requer tanta energia no longo prazo, necessita de níveis altos de motivação. Se conseguirmos antever que o nosso activismo altera de facto algo na sociedade, isso fará com que a motivação para continuar as actividades seja estimulada. Já no activismo vegano, não existe nenhuma sensação de sucesso deste género. Muitas pessoas que se tornaram veganas tornam a consumir produtos animais, e a sociedade como um todo não parece modificar-se fundamentalmente, após 130 anos de campanhas veganas. É extremamente improvável que uma quantidade significativa de activistas possa manter um activismo vegano amigável sem ter sucessos concretos durante períodos largos de tempo.

Resumo

A análise do activismo político pelos animais, juntamente com os dados resultantes das experiências até ao momento, sugerem a seguinte abordagem para atingir os direitos dos animais no longo prazo:

O objectivo principal do movimento dos direitos dos animais deve ser criar pressão política para atingir reformas na direcção dos destes direitos. Uma reforma é um passo na direcção dos direitos dos animais se tiver sucesso em deteriorar a indústria animal. Sem esta indústria, os direitos dos animais seriam a realidade natural, pelo que enfraquecê-la através de leis animais mais rígidas serve um propósito duplo: em primeiro lugar, enfraquece o adversário das leis animais no futuro, e em segundo, faz com que os produtos animais encareçam e menos pessoas os comprem, passando as alternativas a ter melhores hipóteses de competir no mercado livre. Leis animais mais severas não impedem as pessoas de se consciencializarem das questões dos direitos dos animais, e de facto promovem-nas, visto que o bem-estar animal é o precursor psicológico dos direitos dos animais.

Para produzir pressão política suficiente, um grande número de activistas e o favorecimento da opinião pública são vantajosos. No entanto, estas duas componentes são objectivos secundários, visto que apenas servem para ajudar a atingir o objectivo principal, enfraquecer a indústria animal.

Tentar convencer pessoas individuais, uma de cada vez, é uma táctica que necessariamente falha, enquanto o sistema não for alterado. Isso acontece porque o sistema social determina o comportamento dos seus elementos. Numa sociedade extremamente especista, ser vegano implica um gasto tremendo de energia, pelo que apenas uma pequena minoria vai ter motivação e intenção suficientes para manter este estilo de vida. Por outro lado, um sistema numa sociedade que não disponibilize produtos animais irá automaticamente resultar no surgimento de pessoas veganas, e num prazo máximo de uma ou duas gerações de jovens que crescem com uma sociedade vegana, a consciência dos direitos dos animais irá impor-se.

Usando argumentos puramente racionais, podemos de forma convincente sugerir que os direitos dos animais são o ideal ético. Para isso, não necessitamos de usar dados empíricos da psicologia humana nem de nos preocuparmos com a situação política numa altura particular da sociedade. O ideal ético tem fundamentos deontológicos e não justificações consequencialistas.

Porém, se queremos colocar em prática esse ideal de ética e mudar a sociedade, dependemos inteiramente de parâmetros psicológicos. A política é boa se mudar a sociedade na direcção do ideal ético. Isso significa que, em contraste com a situação anterior, o valor da política é puramente medido de forma consequencialista, ou seja, através da medição das suas consequências. Não existem políticas boas ou más por si mesmas, como Immanuel Kant propôs, por exemplo, para a mentira, que supostamente seria uma actividade antiética por si mesma, mesmo que ao mentir em determinadas circunstâncias pudessem ser salvas vidas, ou evoluir a sociedade na direcção do ideal de ética.

É conhecimento básico da psicologia humana que os humanos são animais muitos mais sociais do que racionais. Se os humanos fossem puramente racionais, poderíamos ignorar a psicologia na política, e cingir-nos a uma argumentação racional, sem o uso de dados empíricos. A teoria e a prática seriam equivalentes. No entanto, os humanos são sem dúvida muito mais sociais que racionais, e isso significa que, para o movimento dos direitos dos animais:

  • Conceitos sociais como compaixão, empatia e sofrimento são factores muito importantes para motivar os humanos a mudar o seu comportamento. Em contraste, conceitos racionais abstractos, como personalidade ou direitos, não têm esta relevância.
  • Um dos aspectos mais importantes na determinação do comportamento humano é o seu ambiente social. Os humanos querem estar bem integrados na sociedade e viver em harmonia com a mesma.
  • Os humanos têm uma forte necessidade de segurança na sociedade, ou seja, no geral querem que as situações se mantenham como elas são, e que a mudança aconteça lentamente de forma controlada.

O movimento dos direitos dos animais deve adaptar as suas estratégias de campanhas políticas a estes factos da psicologia, o que significa que as campanhas devem incorporar os seguintes aspectos:

  • Centrar o material de campanha em apresentar o sofrimento e estimular a compaixão e empatia nas pessoas. Frases racionais e abstractas que usem termos como direitos ou personalidade não devem estar muito presentes. 
  • O objectivo da campanha deve ser apresentado ao público de forma a que se entenda que, quando for atingido, um certo aspecto bastante identificável do sofrimento dos animais será totalmente aliviado.
  • O objectivo da campanha deve ser mudar a sociedade, o sistema social em que as pessoas vivem, e não as mentalidades individuais.
  • A campanha não deve exigir mudanças drásticas na sociedade. O objectivo deve ser realista e bem definido. A evolução global da sociedade deve ser lenta e contínua.

Assim, é de vital importância distinguir entre a filosofia racional e abstracta, que tem uma base deontológica teórica para justificar o ideal ético, e a psicologia social aplicada com uma base consequencialista que justifica na prática as campanhas políticas.

ou que tipo de activismo irá eventualmente conduzir aos direitos dos animais


Bem-estar animal e direitos dos animais


O bem-estar animal e os direitos dos animais são duas coisas fundamentalmente diferentes. O bem-estar surgiu nos tempos modernos através de literatura de meados do séc. XVIII. O primeiro grupo de bem-estar animal, o RSPCA de Inglaterra, foi fundado em 1824, e o primeiro na Áustria, o WTV, surgiu em 1846 em Viena. A primeira lei austríaca referente a animais foi introduzida no mesmo ano. O bem-estar animal é motivado por compaixão e empatia, sendo o seu objectivo reduzir o sofrimento dos animais ao mínimo “necessário”. Os primeiros grupos de bem-estar animal dedicavam-se principalmente a ajudar animais necessitados, especialmente animais de estimação, ou seja, animais que vivem em lares de humanos enquanto companheiros. Matar animais não é um tema no âmbito do bem-estar. A partir do momento que seja feito sem dor, matar não é uma preocupação ética. O paradigma em que os animais servem para uso humano não é questionado por este princípio e, desde que este uso seja levado a cabo de forma “humana”, não existe nada de errado com ele. O bem-estar animal não levanta a questão da relação animal-humano na sociedade como um todo. O principal objectivo é aliviar o sofrimento, e não mudar a sociedade de uma forma política. O bem-estar animal pede aos humanos para serem boas pessoas, gentis para os animais, e para mostrarem empatia e compaixão.

Os direitos dos animais são um tipo de ideologia bem diferente, que requer que todos os humanos respeitem os mesmos direitos básicos para todos os animais não humanos. O valor dos animais não é determinado pela sua utilidade para os humanos. O indivíduo animal deixa de ser um objecto e passa a ser um sujeito, já não é uma coisa, mas sim uma pessoa. As primeiras ideias neste sentido na sociedade moderna chegaram através de Lewis Gompertz no início do séc. XIX. No final do mesmo século, Henry Salt havia fundado a primeira organização de direitos dos animais, a Liga Humanitária. A ideologia dos direitos dos animais não pretende minimizar o sofrimento “necessário”. O seu objectivo é antes atingir os direitos básicos para todos os animais, garantindo a sua autonomia de poder determinar as suas vidas por si mesmos. Assim, matar animais torna-se num problema central. Não existe nenhum acto que restrinja mais a autonomia de um animal mais do que violentamente matá-lo, ou matá-la. Esta ideologia pretende mudar a relação animal-humano na sua raiz, e este movimento é fundamentalmente político, a sua demanda é justiça, a motivação é combater a injustiça no mundo.

Desde o bem-estar até aos direitos dos animais

Desta análise, podemos concluir que os direitos dos animais são um tema tão diferente do bem-estar que o caminho que leva até um deverá ser bem diferente desde o início, comparando com o caminho que leva até ao outro. Como poderá o pensamento no bem-estar animal, sem questionar o paradigma básico de que os animais não humanos existem para colmatar as necessidades humanas, levar até aos direitos dos animais? Pior, não poderá uma boa prática de bem-estar animal, como uma boa pecuária ou matança “humana”, dificultar qualquer avanço no pensamento crítico neste assunto?

No entanto, as coisas não são tão lineares. O primeiro indício disto poderá ter sido que o primeiro pensador nos direitos dos animais, Lewis Gompertz, que chegou a exigir que a humanidade fosse vegana (sem atribuir ainda este nome), foi também co-fundador da primeira sociedade de bem-estar animal do mundo, a RSPCA. Mas num exemplo ainda mais concreto: não terá sido a primeira motivação da maioria para pensar nestes assuntos iniciada pela empatia e compaixão sentidas quando se assistiu a abusos a animais? Não terá sido o poder desses sentimentos motivaram várias pessoas a analisar a questão e eventualmente chegar à ideia de direitos dos animais? Não são ainda quase todos os activistas dos direitos dos animais de hoje, pelo menos em parte, influenciados por estes sentimentos de ajudar animais necessitados em santuários, sentindo-se incapazes de se divertir em actividades de lazer por causa do pensamento incómodo de animais a sofrer à mão do homem que os impede de desligar? Será de todo psicologicamente possível sacrificar toda a vida pessoal na causa dos direitos dos animais sem compaixão e empatia como motivação? Não terão todas as pessoas que chegaram ao veganismo começado por reduzir o consumo de carne, mudar para produtos animais biológicos, ou pelo menos ser ovolactovegetariano durante um tempo, o que também implica uso de animais? Não significará isto que a diferença filosófica fundamental entre bem-estar animal e direitos dos animais será uma separação que não existe na realidade psicológica?

Uma observação atenta sugere isto mesmo. No presente, as leis para os animais austríacas já deixaram para trás os ideais puros de bem-estar animal acima mencionados. Vejamos alguns exemplos de leis que banem até as práticas mais “humanas” de utilização de animais não humanos em certas áreas:

  • §6 (2) Lei animal: Cães e gatos não podem ser utilizados para produzir nenhum produto animal, como peles ou carne.
  • §25 (5) Lei animal: É proibido criar qualquer animal para o propósito de produzir peles.
  • §27 (1) Lei animal: É proibido criar ou utilizar qualquer animal não doméstico em quaisquer actividades num circo, mesmo que esses animais não sejam utilizados para fins lucrativos.
  • §3 (6) Lei de testes em animais: É proibido utilizar qualquer primata, como chimpanzés, bonobos, gorilas, orangotangos ou gibões, para qualquer propósito experimental, se esta experiência não for do interesse do próprio indivíduo primata.

Adicionalmente, algumas leis para animais alteram a relação animal-humano na sociedade e contrariam o paradigma de que os animais existem para os humanos os usarem a seu bel-prazer. 

  • §285a Lei do Código Civil: Animais não são objectos.
  • Constituição: O estado protege a vida e o bem-estar dos animais enquanto coabitantes com os humanos.
  • §41 Lei animal: Em cada região, devem ser instituídos solicitadores de animais regionais, financiados pela própria região, para que estes se envolvam em todos os casos de tribunal respeitantes da lei animal, tendo acesso a toda a documentação dos tribunais, podendo convocar testemunhas, submeter testemunhos de perícia e apelar contra veredictos em nome dos animais envolvidos.

Na Áustria, existem ainda leis já estabelecidas que proíbem explicitamente a matança de animais, independentemente do grau de dor e de abate “humano”, nas seguintes circunstâncias:

  • §6 (1) Lei animal: É proibido matar qualquer animal sem motivo legítimo.
  • §222 (3) Lei criminal: É proibido matar animais vertebrados sem motivo legítimo.
  • Constituição: O estado protege a vida dos animais enquanto coabitantes com os humanos.

Politicamente, podemos assim verificar uma transição contínua desde um estado de leis que não restringem qualquer uso animal, até direitos dos animais completos que consideram um igual valor para as vidas de cada indivíduo:

Sem restrição no uso de animais
→ protecção indirecta (proibição de abuso animal que cause perturbação a humanos)
     → protecção directa mínima (proibição de bater em animais “demasiado”)
          → protecção relevante de animais economicamente irrelevantes (“animais de estimação”)
               → restrição relevante do uso económico de animais (por exemplo, proibição de jaulas)
                    → restrição radical do uso económico de animais (apenas criação ao ar livre)
                         → proibição de matar
                              → “direitos fracos” de acordo com Mary Midgeley
                                   → o único direito: colocar em prática leis animais
                                        → direitos básicos para alguns animais (por exemplo, Great Ape Project)
                                             → direitos básicos para todos os animais
                                                  → valor idêntico de vida e sofrimento para todos os animais (incluindo humanos)

Assim, concluímos que apesar de existir uma grande disparidade filosófica entre bem-estar animal e direitos dos animais, psicológica e politicamente existe uma continuidade entre os dois. Isso significa, por um lado, que é pelo menos possível, senão provável, que uma pessoa evolua psicologicamente da utilização de animais, através do bem-estar animal, até aos direitos dos animais. Por outro lado, isto prova também que é no mínimo possível – mesmo que não tenhamos facultado evidências desta probabilidade ainda – que a sociedade evolua politicamente da utilização de animais, através do bem-estar animal, para os direitos dos animais. O mínimo que podemos alegar com certeza neste ponto é que tal curso de evolução não está excluído à partida.

A forma mais fácil de viver: consumo de produtos animais de exploração intensiva

A experiência empírica de décadas de activismo vegano demonstra que é bastante difícil levar a mensagem dos direitos dos animais até à maioria das pessoas. A forma mais fácil de fazer alguém iniciar-se no estilo de vida vegano é expor a pessoa a um ambiente social vegano. Os grupos de activismo dos direitos dos animais recebem muitos activistas novos que não são veganos no início da sua actividade. Ainda assim, e mesmo sem motivos racionais para tal, esses activistas habitualmente tornam-se rapidamente veganos durante a presença nestes grupos, sem pressão nesse sentido. Para animais sociais como os humanos, o ambiente social tem uma influência muito forte no seu comportamento. Isso, no entanto, significa por outro lado que, numa sociedade estritamente especista como a nossa, a maioria das pessoas que nela são educadas e nela vivem irão desenvolver maneirismos e pensamentos especistas. Será bastante complicado alterar esta realidade, especialmente sem nada mais que argumentos racionais.

Imagine-se que este grupo de pessoas especistas são subitamente influenciadas por um artigo mediático, por uma passagem por um festival vegano, ou por uma longa conversa num estabelecimento vegano, entre outros eventos, e que ganham desta forma consciência do problema, desenvolvendo a vontade de se tornarem veganas. O que acontece com frequência então é que este efeito não dura por muito tempo e, mais tarde ou mais cedo, essas pessoas tornam a consumir produtos animais, independentemente do nível de convencimento que tinham para com o veganismo antes. Qual o motivo para isto?

Numa sociedade tão estritamente especista como a nossa, um estilo de vida vegano requer imensa energia. Existe a pressão psicológica de não se ser considerado “normal”, e de dar nas vistas socialmente. Subitamente entra-se em conflito dentro dos círculos de amigos e família. Por um lado, eles vão considerar a pessoa complicada ou mesmo fundamentalista por ter um cuidado especial no que come ou compra, ou por ler detalhadamente as listas de ingredientes. Por outro lado, poderão também sentir-se alvo de crítica pelo simples comportamento da pessoa vegana: afinal de contas, a recusa de comer o mesmo que eles é uma afirmação ética.

Mas os problemas não acabam aí. No local de trabalho, nas actividades de lazer, nas idas diárias às compras, nos restaurantes, e outros locais, a escolha de se viver vegano requer constantemente muita energia para que se justifique este comportamento, para levantar questões desconfortáveis, por se afectar a paciência de outras pessoas, para não se comprar algo que de outra forma se gostaria de comprar, e para não se comprar o mais barato e acessível. O gasto de tempo e energia são constantemente maiores do que se não se seguisse este estilo de vida, e isso desgasta a motivação original até das pessoas com maior força de vontade. Adicionalmente, e apesar do grande investimento pessoal, não parece existir nenhum retorno! A quantidade de animais abatidos não diminui e a sociedade não parece mudar minimamente. Lentamente, a motivação inicial esmorece até que existe um reajuste e se retoma a vida anterior, terminando a experiência vegana. Isto sucede especialmente em alturas de crise, ou quando existem grandes mudanças na vida, como uma mudança de emprego ou de relação amorosa, quando se inicia uma família ou se muda de casa. O stress adicional ou o facto de que subitamente outros assuntos exigem toda a atenção pode levar a um afastamento do veganismo. A motivação para investir tempo e energia dessa maneira simplesmente desaparece.

Estas observações podem ser simplificadas através da figura seguinte:

A forma como a sociedade está organizada – o sistema – altera a forma de linha contínua desde o uso animal sem restrições, através do bem-estar animal, até aos direitos dos animais (parte superior da figura), para uma superfície estruturada (parte inferior da figura). Os indivíduos humanos podem ser considerados como esferas nesta superfície. Sem nenhuma adição externa de energia, as esferas irão deslizar rapidamente até à concavidade. Na nossa sociedade, isso significa consumir produtos de animais de exploração intensiva. Se alguém quer desfrutar de assistir a lutas ilegais de animais ou de tortura animal, então essa pessoa irá subir na curva à esquerda. Como essas actividades são ilegais e têm má reputação, exige bastante energia para se manter no topo dessa curva, e esse declive é acentuado. É necessária grande motivação para se manter nesse topo. Se o interesse for perdido, rapidamente haverá um deslize de novo para a concavidade.

Por outro lado, se alguém evolui na direcção do uso exclusivo de produtos biológicos de animais criados ao ar livre, ou até do vegetarianismo ou veganismo, então essa pessoa desloca-se para a direita. Também é uma escalada nesta direcção, e para se manter aí, ou deslocar cada vez mais para a direita, a energia necessária é gradualmente maior. Aqueles que não conseguem gerir esse dispêndio de energia, e perdem motivação para investir consistentemente nessa subida, irão tornar a deslizar para a concavidade. Seguindo as opções mais populares, o destino mais provável é o consumo de produtos de animais de exploração intensiva, levado a cabo pela maioria. Essa é, de longe, a forma mais fácil e menos exigente de se viver.

Na direcção de uma sociedade vegana através de mudança do sistema

Para um evento único como uma pessoa tornar-se vegana ter um efeito político global na sociedade, teria de acontecer em massa. Na Áustria, todos os anos 80.000 pessoas morrem e, da mesma forma, cerca de 80.000 pessoas nascem ou migram para o país. Para mudar a sociedade significativamente neste sentido, teria de haver uma taxa de pessoas a tornarem-se veganas bem acima deste número anual. Na realidade, estamos muito longe disso. O primeiro restaurante vegetariano ético do país abriu em 1878. Desde aí, e especialmente por volta de 1900, existiram muitos indivíduos e grupos que tentaram influenciar as pessoas a adoptar uma dieta à base de plantas. Porém, apesar de todos os seus esforços, falharam o objectivo até hoje. 130 anos de campanhas pelo vegetarianismo ou veganismo não tiveram grande impacto na sociedade. Parece que a pressão social na nossa sociedade especista impede um número suficiente de pessoas de se tornarem veganas para que existisse uma mudança global. Após 130 anos de tentativas, não existe nenhuma revolução vegana à vista, e não existem sinais de que isto vá mudar em breve.

Um estudo levado a cabo em 2004 pelo instituto austríaco IFES confirmou esta observação. Quando se perguntou às pessoas se concordavam com a proibição de jaulas para galinhas poedeiras na produção de ovos, 86% afirmaram que queriam ver esta proibição na prática. No entanto, ao mesmo tempo, 80% dos ovos comprados na Áustria provinham exactamente deste tipo de produção. Claramente, embora a maioria das pessoas já estivesse convencida de que animais enjaulados são um abuso antiético, continuavam a comprar os produtos que aparentemente desaprovavam. Isto não sucedia por falta de informação, já que quando questionadas em supermercados as pessoas demonstraram estar a par da realidade. Afinal de contas, os ovos de sistemas de jaulas estão hoje em dia claramente marcados como tal, quer no ovo quer na embalagem. A explicação para este fenómeno é simples, os ovos de produção em jaulas estavam disponíveis em todo o lado, eram os mais baratos, estavam em todos os produtos como massas e bolos, e eram servidos nos restaurantes e hotéis. Para evitar este tipo de ovos exigiria um grande comprometimento, e as pessoas não se encontravam preparadas para tal, especialmente porque muitos dos que o faziam não viam qualquer mudança na sociedade, e a curto prazo desistiam por esse mesmo motivo. Se alguém escolhe a forma mais fácil de viver seguindo as práticas mais comuns, terá de consumir ovos de produção intensiva, independentemente de sentir que possa ser antiético ou que deva ser proibido.

No entanto, o movimento dos direitos dos animais também pode utilizar para seu benefício esta atitude da maioria das pessoas, de seguir as práticas comuns num estilo de vida de menor resistência. Já observámos que a forma mais fácil de influenciar as pessoas para o veganismo será expô-las a um ambiente social vegano. As seitas religiosas usam esta nossa característica de animais sociais ao formar grupos fechados e unidos, afastados do mundo exterior, nos quais a seita pode manter um estilo de vida que o resto da sociedade considera estranho. Se os membros da seita estivessem incluídos na sociedade “normal”, não seriam capazes de manter essa forma de vida. O movimento dos direitos dos animais, por seu lado, não se satisfaz com o estabelecer de pequenas comunidades veganas dentro de uma sociedade maior. O movimento pretende mudar a sociedade como um todo. Como se poderá então atingir isso?

Observemos os dados. Em 1996, o movimento pelos direitos dos animais austríaco decidiu lançar uma campanha contra animais selvagens nos circos. Nessa altura, a maioria das pessoas provavelmente não tinha uma opinião no tema, mas dentro dos restantes, a maior parte certamente apoiava animais selvagens nos circos e não via motivo para considerar esta tradição como antiética. A comunicação social, de igual forma, favorecia este tipo de circo. Porém, em 2005, foi conseguida uma proibição de animais selvagens em circos. Consequentemente, não restaram circos deste género na Áustria, nem entravam nenhuns vindos do estrangeiro. Desde esse ano, ninguém no país pode aceder a espectáculos de circo com animais selvagens.

Ainda assim, ninguém tem saudades deles! A campanha teve uma taxa de sucesso de 100% em mudar o comportamento dos austríacos, apesar de que durante a campanha ninguém tentou mudar a mentalidade de cada indivíduo. Essa nunca foi a estratégia. Em vez disso, a campanha simplesmente removeu tais circos da Áustria. Mesmo não mudando a mentalidade das pessoas, isto alterou o seu comportamento. Em vez de irem até ao circo, começaram a passar o seu tempo com as crianças de outra forma. A mudança no sistema – deixaram de existir circos com animais selvagens – levou a uma mudança de comportamento de 100%. Na figura acima isso significaria uma deslocação da concavidade para a direita, na direcção de maior bem-estar animal. A forma mais fácil de viver tornou-se numa sem circos de animais selvagens. Para manter essa forma de viver, isto é, para continuar a ir a circos com animais selvagens, isso significaria um gasto de energia enorme, que ninguém está disposto a fazer.

Mas os efeitos das mudanças no sistema vão ainda mais longe que isso. Hoje em dia, a comunicação social já começou a retratar negativamente os circos com animais selvagens no estrangeiro. As regras de socialização, tal como esquematizado acima, pressupõem que após 1 ou 2 gerações terem crescido numa sociedade onde os circos de animais selvagens foram banidos por razões éticas, as suas atitudes mudam também. Esses circos começaram a ser considerados como um abuso animal de tempos passados, quando existia menos respeito pelos animais. Essa opinião é cada vez mais comum na Áustria dos dias de hoje.

Outro exemplo que sustenta esta visão é a campanha contra os ovos de produção intensiva. Em 2005, o movimento pelos direitos dos animais lançou uma campanha para remover os ovos de produção intensiva das prateleiras dos supermercados austríacos. De lembrar que, nesta altura, 86% da população considerava este modo de produção antiético, mas apenas 20% agia em conformidade com essa crença, não comprando o produto. Esta campanha, de novo, não visava mudar a mentalidade das pessoas, o que teria sido afinal de contas inútil, visto que a maioria já se opunha à produção intensiva de ovos. A campanha teve sucesso, em 2007 já era impossível comprar qualquer ovo deste modo de produção na Áustria, incluindo ovos de um sistema de jaulas alargadas.  

O que aconteceu aos consumidores? Eles adaptaram-se rapidamente. Ninguém sentia saudades de ovos de produção intensiva, e a forma mais fácil de viver passou simplesmente a ser não comprar ovos destas indústrias e, como tal, foi isso que aconteceu. A campanha, novamente, não mudou as mentalidades, mas antes a mudança do sistema teve uma taxa de sucesso de 100% em mudar os comportamentos: ninguém mais comprou ovos de produção intensiva.

Os dados demonstram evidências claras: enquanto tentar mudar as mentalidades das pessoas tem um impacto muito limitado, com muito pouca influência nos comportamentos, a mudança do sistema leva a taxas de 100% de sucesso em mudar o comportamento das pessoas. Aplicando estas conclusões ao veganismo, teremos de concluir que os activistas da política de direitos dos animais devem primeiro tentar mudar o sistema, visto que alterar mentalidades é uma estratégia com poucas hipóteses de mudar a sociedade, e se essa for a única estratégia praticada não terá qualquer efeito global.

Olhemos um exemplo. Digamos que queremos recuperar alguma parte do terreno da zona pouco profunda do mar, para implementar um novo espaço habitável. Tentar mudar as mentalidades das pessoas será como tentar remover a água do mar com uma colher. Podemos conseguir retirar algumas gotas, mas o panorama global não altera. Não conseguiríamos ter pessoas suficientes a remover gotas com colheres para secar a terra. Uma mudança de sistema, no entanto, seria como construir uma barragem com uma escavadora. Assim, a água nesta área estaria isolada da água do mar, e o sistema mudou. Não teremos de remover a água agora, bastará deixar que siga o seu curso, e evaporar até que possamos utilizar o terreno. A mudança de sistema não removeu gotas individuais, mas levou a uma mudança duradoura da situação geral.

Na figura acima da superfície estruturada, uma mudança de sistema significaria mover a concavidade para a direita. Se conseguirmos fazê-lo, então as pessoas irão seguir nesse sentido e recair na nova concavidade, vivendo de uma nova forma. Para isto não é necessário persuadi-las uma a uma. Os ovos de produção intensiva já não estarem disponíveis é um exemplo de uma movimentação da concavidade para a direita, na direcção dos ovos de galinhas do campo se tornarem a norma, que constituem um melhor bem-estar animal. Como objectivo final, necessitamos de apontar para mover a concavidade completamente para a direita, na direcção dos direitos dos animais e veganismo. Quando não existirem mais produtos não veganos disponíveis no mercado, então as pessoas irão tornar-se veganas e, dentro de algumas gerações, será a atitude adoptada pela sociedade como um todo.

Mudança do sistema pelo enfraquecimento da indústria animal

Como poderemos mover o sistema na direcção do veganismo? Em democracia parlamentar, o princípio é que a população possa decidir como o sistema é dirigido. Na prática, e especialmente visto que a nossa sociedade apresenta uma democracia representativa e não directa, aplicar o princípio não é fácil. Os eleitores só podem votar a cada 5 anos, e apenas em meia dúzia de partidos, ou seja, ao votar eles têm de apoiar um conjunto grande de opiniões, e não apenas uma.

Ainda assim, elegemos partidos para o governo. Eles não irão fazer exactamente o que corresponde às nossas preferências, mas se as suas decisões se desviarem o suficiente da nossa opinião, iremos causar agitação social, algo que os partidos visam evitar. Se surgir uma revolta, eles irão querer resolvê-la. Por outro lado, se não existirem conflitos, e tudo estiver calmo, sendo as críticas sempre introduzidas num tom amigável e tolerante, isso será sinal de ausência de verdadeira insatisfação, o que fará com que o governo não arrisque mudanças para que possa atingir tranquilamente a reeleição.

Assim, as mudanças no sistema apenas surgem através de conflitos na sociedade. Começa com um segmento da sociedade a mostrar-se decididamente insatisfeito com o status quo num determinado tema, e a causar uma agitação. Se essa agitação crescer e se tornar num conflito generalizado, o governo será forçado a reagir, tentando com que a situação não escale a ponto de serem retirados das suas funções. Isso significa, num conflito entre dois lados, que o governo irá favorecer aqueles que, sendo mais capazes de aprofundar o conflito, causem maior revolta e pressão política. Se o público favorece um ou outro partido no conflito isso também pode obviamente ser de importância vital. Uma revolta criada por um dos lados irá criar muito maior pressão política se, aos olhos do público, essa causa for justa.

Na causa animal, o conflito ocorre entre o movimento dos direitos animais e aqueles que exploram os animais. Designemos estes últimos por indústria animal. O conflito social por uma mudança de sistema na direcção do fim da exploração dos animais, isto é, do veganismo, é então um conflito directo entre o movimento dos direitos dos animais e a indústria animal. O grupo que seja capaz de produzir maior pressão política irá vencer no final. O público mantém-se indiferente num momento inicial, e é o alvo da guerra de propaganda entre as duas facções, cada uma tentando trazer a opinião pública para o seu lado. Visto que a indústria animal é bastante poderosa e tem bastante influência política, uma mudança de sistema contra a mesma será bastante difícil, mas possível. É muito importante distinguir neste momento entre indústria animal, que são os inimigos da mudança, o público enquanto observador, cujo apoio é o que ambas as partes buscam, e o governo, que desempenha o papel de juiz, e o qual ambos os lados procuram pressionar politicamente.

Ao pensar sobre teoria política, é fundamental basear o pensamento em informação e experiência directa para perceber se ainda estamos conectados com a realidade, e não no campo do sonho e ficção. A política é a arte de mudar a sociedade, é consequencialismo puro, isto é, o seu valor deve ser julgado apenas pelas suas consequências. Uma boa política leva a uma sociedade melhor, uma má política piora a sociedade. Para causar mudanças políticas, existem imensos parâmetros desconhecidos a influenciar o resultado. Como tal, o pensamento estritamente teórico pode muito facilmente ser inconsequente. Como poderemos saber, por exemplo, que certo factor que aponta numa direcção vai ter um efeito maior ou menor que outro factor, que aponte na direcção oposta? Apenas é possível através de experiência prática. Que tipo de experiência podemos prover neste contexto? O que revelam os dados experimentais sobre a teoria aqui apresentada?

A campanha contra os circos de animais selvagens na Áustria foi dirigida contra os próprios circos, e apenas marginalmente dirigida ao público. A táctica passou por protestar consistentemente no exterior de cada um dos espectáculos em todos os circos de animais selvagens austríacos, de forma a afectar a diversão dos visitantes do circo. Os circos recorreram a violência e atacaram fisicamente vários activistas em diferentes ocasiões, por vezes com gravidade e premeditadamente. O movimento ripostou com três ataques incendiários. Adicionalmente, os circos processaram várias vezes a campanha, enquanto os activistas denunciaram às autoridades falhas no cumprimento dos regulamentos. Após 6 anos, todos os circos de animais selvagens tinham falido. O governo não tinha ainda reagido, visto que o conflito não tinha atingido proporções globais na sociedade, nem o público ou a comunicação social estavam atentos aos episódios.

No final, não sobraram circos de animais selvagens e, sem qualquer oposição, foi fácil introduzir uma proibição. Através do enfraquecimento e eventualmente destruindo por completo a indústria animal neste conflito, uma proibição e uma mudança duradoura no sistema foi atingida.

Outro caso de estudo é a campanha contra produção animal intensiva em jaulas. Neste sector, a indústria animal era bastante poderosa e não poderia ser desafiada directamente. Ao ameaçar com um desastre económico, desemprego, fecho de indústrias locais de relevância e uma grande redução nas contribuições fiscais, a sua influência nos governos locais, regionais e federais era imensa. O movimento dos direitos dos animais não tinha capacidade de lhes fazer frente. Ainda assim, no que diz respeito a produção animal em jaulas, o movimento não estava completamente desapoiado pelo público. Com o andar das décadas, as pessoas tinham sido informadas de que a produção intensiva em jaulas é a representação maior de abuso animal. Até a literatura infantil abordava este assunto, e em todas as escolas isto era debatido. É por esse motivo que, em 2004, já 86% do público estava a favor de uma proibição da produção intensiva em jaulas.

No entanto, a opinião pública por si só não mudaria nada. Como já foi descrito, 80% das pessoas ainda compravam ovos deste tipo de produção, e o governo não tinha motivo algum para agir, visto que não existia nenhum conflito patente. Nesta situação, o movimento dos direitos dos animais decidiu começar uma campanha para a proibição de todas as jaulas na produção intensiva, incluído as descritas como jaulas enriquecidas (com mais espaço para os animais). No parlamento, a situação era favorável, visto que os socialistas e os verdes na oposição, cerca de 50% dos deputados, poderiam ser conquistados como aliados. Apenas os conservadores no governo permaneciam firmes contra esta coligação, influenciados pela pressão da poderosa indústria animal.

Esta é a razão por que o movimento começou a focar-se nos conservadores e atacou-os em cada uma das seguintes 3 eleições (2 eleições regionais e uma presidencial). Os cartazes eleitorais conservadores foram removidos ou desfigurados em larga escala, e muitos cartazes anticonservadores surgiram em todo o lado. Foi ao ponto de os conservadores contratarem empresas de segurança para vigiar os seus cartazes de noite, e ocorrerem vários conflitos com os activistas dos direitos dos animais. Adicionalmente, os activistas começaram a perturbar as campanhas eleitorais dos conservadores e organizaram uma campanha anticonservadora com uma mensagem clara: aqueles que votam nos conservadores, votam na produção animal intensiva em jaulas. No pico deste conflito, no dia anterior às eleições numa região, o líder do partido conservador saltou do palco onde estava a dar o seu último discurso de campanha e atacou um activista dos direitos dos animais, esmurrando-o na face e rasgando o seu cartaz. No dia seguinte, este episódio foi manchete principal em todos os jornais: líder do partido conservador esmurra activista animal! Desta forma, o partido conservador perdeu 50% de votos nesta eleição!

Noutra região, onde os conservadores tinham estado no poder, estes perderam a maioria para os socialistas, e nas eleições presidenciais a pressão acumulada tornou-se tão grande que a sua candidata presidencial sentiu-se obrigada a dizer, na sua última conferência de imprensa, que ela, pessoalmente, não apoiava a indústria intensiva. Quando os conservadores perderam ainda mais esta eleição, cederam por completo. A pressão política do movimento dos direitos dos animais tinha excedido a influência política da indústria animal. Em 2005, uma proibição completa de todas as jaulas para galinhas poedeiras, incluindo as jaulas maiores, foi deliberada no parlamento e passou a vigorar em 2009. Os que vivenciaram esta campanha na primeira pessoa concordam que foi a quantidade de pressão política que levou até esta decisão. Num conflito aberto, com a ajuda do favorecimento da opinião popular, o movimento venceu a indústria animal e forçou a poderosa indústria dos ovos a ceder, e isso abriu caminho para uma mudança no sistema. Hoje, tal como foi descrito, ninguém mais compra ovos de sistemas de jaulas. 

Vários outros exemplos poderiam ser mencionados, como a campanha contra as jaulas para coelhos, em que o governo foi forçado a retractar o seu “compromisso” de jaulas maiores e concordar com uma proibição completa em 2012. Porém, existe um outro exemplo que merece ser olhado em detalhe. Numa região do estado da Alta Áustria, existe a forte tradição de aprisionamento de pássaros canoros. Por este motivo, este estado constituiu estes pássaros como excepção à proibição geral de aprisionamento de animais. Quando a lei animal se tornou uma questão federal na Áustria, as proibições regionais de aprisionamento de animais tinham sido alargadas à Alta Áustria também, e o governo não tinha antevisto que esta proibição atingiria também esta forte tradição. Os caçadores são muito poderosos e têm influência na sua região, e todos os partidos políticos têm receio deles. Essa influência estende-se ao governo regional, mas não ao governo federal. Por outro lado, o movimento dos direitos dos animais tem muito maior capacidade de produzir pressão política a nível federal do que a nível regional na Alta Áustria rural. 

Assim, quando o governador regional da Alta Áustria se apercebeu que a nova lei iria banir o aprisionamento de pássaros na província, interveio e tentou fazer a ministra da tutela considerar uma excepção para esta prática na região. Sem qualquer outra influência, a ministra aceitou estas condições e elaborou essa proposta, altura em que o movimento dos direitos dos animais tomou uma atitude e lançou uma campanha desafiadora contra a ministra, com protestos diários no exterior do ministério durante meses, e perturbações em todas as suas aparições públicas. A ministra cedeu a esta pressão e não avançou com a proposta de excepção na lei. Porém, o governo regional, que detém o poder executivo na província e está sob a influência dos caçadores, decidiu simplesmente não executar a lei.

Desta forma vemos que apenas o conflito político na sociedade entre o movimento dos direitos dos animais e a indústria animal determina as leis e a sua execução. O lado que conseguir granjear maior suporte e criar maior pressão política num tema vence. A lei correspondente que daí sair determina o sistema social, que eventualmente define como as pessoas se comportam e como os animais são tratados. A opinião da maioria ou de uma pessoa singular na sociedade tem uma importância secundária. Mesmo uma grande maioria contra a produção intensiva de ovos não levou a uma proibição nem os impediu de serem vendidos, foi apenas a pressão política e a consequente mudança no sistema que mudou a sociedade e o modo como os animais são tratados.

As mudanças consecutivas de sistema abrem caminho aos direitos dos animais?

Os dados apresentados até aqui demonstram que uma mudança no sistema pode ser atingida através de conflito político contra a indústria animal. No entanto, para uma mudança no sistema levar até ao veganismo generalizado, isso significará terminar por completo todas as indústrias de animais. Será possível fazer toda esta indústria desaparecer através de vitórias passo a passo, responsáveis por reformas sucessivas no sistema?

De um ponto de vista puramente teórico, a continuidade psicológica e política do uso de animais, através do bem-estar animal, até aos direitos dos animais sugere que isto é realmente possível. Uma sociedade sem quaisquer restrições no uso de animais olha os animais não humanos como bens dirigidos ao uso humano, sem qualquer valor ético. Tal sociedade não terá nenhuma empatia nem compaixão pelos animais. O exemplo histórico da Áustria antes das primeiras leis animais serve de bom exemplo de uma sociedade com esta mentalidade.

A partir desse ponto na História, compaixão, bem-estar animal e leis referentes a animais começaram a desenvolver-se lentamente. Nesta fase, o vegetarianismo ético poderá ter começado a estruturar-se no final do séc. XIX. Lentamente, as primeiras ideias de direitos dos animais foram surgindo, e a partir da década de 1980 apareceu um sólido e próspero movimento de direitos dos animais. A ideologia dos direitos dos animais e do movimento por estes direitos têm as suas raízes psicológicas e políticas no bem-estar animal.

De forma semelhante, a evolução em pessoas individuais normalmente parte de compaixão e sentimentos pelo bem-estar animal, o que pode levar a menor consumo de produtos animais (provavelmente em vez do consumo da variante biológica destes produtos), pode levar também ao vegetarianismo, e eventualmente até à visão completa de direitos dos animais e veganismo. Psicologicamente, a compaixão e o bem-estar animal formam a base para os direitos dos animais também.

Podemos facultar dados adicionais para estas observações. Em 1998, depois de uma longa e árdua luta em campanha, a Áustria introduziu uma proibição de explorações de peles em 6 províncias. Nas restantes 3 províncias, uma nova lei animal restringiu o uso de animais para peles, passando apenas a ser legal manter raposas em chão natural e martas com acesso a água para nadar, sendo que as jaulas foram banidas. Contudo, este bem-estar animal clássico baseado na ideia de exploração mais “humana” resultou 7 anos mais tarde numa completa proibição de todas as explorações de peles, e da posse de quaisquer animais com o intuito de usar as suas peles. Esta lei vai obviamente além do bem-estar animal e na direcção dos direitos dos animais, passando uma mensagem de que os animais não humanos não existem apenas para o benefício dos humanos, visto que o benefício de obter as peles deixou de justificar manter e matar animais, mesmo que da forma mais “humana”. Esta completa proibição de explorações de peles é então um avanço maior do que a proibição das jaulas apenas, na direcção dos direitos dos animais na linha de continuidade desde bem-estar até aos direitos, e surgiu sobre a base de uma anterior lei de bem-estar. 

A proibição da exploração animal significa que a indústria das peles foi enfraquecida, visto que pelo menos na Áustria este sector de produção foi completamente extinguido. Por outro lado, a proibição das explorações de peles não reduziu a quantidade de peles à venda no país, sendo que os negociantes de peles transitaram para importação. Será então que isso significa que uma proibição de explorações animais não pode ser considerada um progresso na direcção dos direitos dos animais?

O movimento dos direitos dos animais austríaco apenas pode modificar directamente este panorama na Áustria. Porém, as explorações de peles austríacas são um exemplo a seguir para outros países, e neste momento temos uma variante desta proibição pelo menos em Inglaterra, Escócia, País de Gales, Itália, Croácia, Países Baixos e Suécia. Se a proibição das explorações de peles está a ser replicada em cada vez mais países, e um dia alastrada a toda a UE, então uma proibição da importação poderá vir a ser introduzida, à semelhança da actual proibição da importação de produtos de gatos e cães, ou até possivelmente produtos de focas no futuro próximo. Isso representaria uma mudança no sistema ao ponto de todos os cidadãos da UE pararem de utilizar pele por completo. Não existe nenhuma razão para os outros continentes não seguirem o exemplo, com os seus movimentos de direitos animais a ganharem relevância política suficiente para pressionar por proibições das explorações nesses locais. Eventualmente, a produção de peles poderia desaparecer no mundo inteiro. Nesse sentido, uma proibição na Áustria será, sem dúvida, um primeiro passo para o fim das peles enquanto um produto de consumo, ou seja, o fim da exploração de qualquer animal pela sua pele.

Consideremos a proibição de produção intensiva de animais. Ao contrário da proibição da exploração de peles, proibir a produção intensiva não significou o fim da produção de ovos na Áustria. Apesar disso, esta proibição levou directamente a uma redução no número de ovos produzidos (e no número de galinhas exploradas) em 35%. Desde que a proibição entrou em vigor, o número de galinhas exploradas na Áustria desceu 35%. Existem dois motivos para este decréscimo. Em primeiro lugar, uma produção extensiva de ovos comporta cerca de metade do número de galinhas de uma produção intensiva com a mesma área, visto que as galinhas têm muito mais espaço e o número de pisos sobrepostos é limitado. Além disso, como as galinhas de produção extensiva podem mover-se livremente dentro do armazém, usam muito mais da energia que ganham através da alimentação em movimento e produção de calor, e necessitam do dobro da comida para produzir o mesmo número de ovos que as galinhas em jaulas, que não se conseguem mover. Isso significa que a produção de ovos com o novo sistema tem o dobro do custo.

A proibição de produção intensiva trouxe consigo uma redução drástica na quantidade de galinhas usadas e um aumento gigante de custos de produção por ovo. Até ao momento, a indústria dos ovos não se atreveu a traduzir esse aumento directamente no preço do ovo, visto que o preço é o que determina a escolha do consumidor. Se os produtos se tornarem mais caros, as vendas irão diminuir.

É então exactamente este efeito que o movimento dos direitos dos animais pode utilizar para os seus objectivos. Se o movimento conseguir, contrariando a resistência da indústria animal, introduzir novas leis animais mais rígidas, que reduzem a capacidade de produção e aumentam o custo, poderão enfraquecer grandemente a indústria. Os consumidores irão comprar menos dos produtos mais caros, mesmo que não tenham alterado a sua opinião sobre os motivos éticos. Carne e ovos muito caros serão considerados artigos de luxo, que podem ser consumidos com menor frequência. A indústria animal que sobreviver irá diminuir imensamente, o que significa que, num próximo conflito com o movimento dos direitos dos animais, esta indústria limitada vai ter ainda menor influência e capacidade de resistir a eventuais reformas e restrições na exploração de animais. Desse modo, as alternativas veganas terão muito melhores hipóteses de concorrer no mercado livre, reduzindo-se as escolhas por produtos animais.

Relativamente à carne, a maior esperança para as alternativas veganas reside nos substitutos de carne à base de plantas e carne de laboratório, isto é, culturas de células musculares produzidas in vitro. Detalhes sobre esta alternativa podem ser encontrados aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/In_vitro_meat ou http://futurefood.org.

Se este tipo de comida do futuro se estabelecer no mercado, vai estar em competição directa com a carne de animais. Quando leis animais mais rígidas tornarem a produção de carne animal mais dispendiosa, haverá mais espaço no mercado para a carne de laboratório se desenvolver, o que aceleraria o processo de abolição da exploração animal, já que indústria animal enfraquecida resulta em leis animais mais severas. Se a carne de laboratório conseguir erradicar por completo a carne tradicional, então uma proibição de exploração de qualquer tipo de animal irá surgir por si própria, objectivo que seria atingido sem ter tornado as pessoas veganas primeiro. De facto, a maioria das pessoas poderia continuar a comer o mesmo tipo de carne, consistindo no mesmo tipo de células, mas devido à continuidade psicológica entre bem-estar animal e direitos dos animais, uma mudança da atitude do público perante os direitos dos animais e veganismo seria de esperar. Quando toda a exploração animal estiver banida, os direitos dos animais serão estabelecidos rapidamente.

As reformas de bem-estar animal reforçam a atitude de que os animais apenas existem para uso humano?

Através do trabalho do movimento animal, o bem-estar animal tem hoje uma imagem positiva que está a ser utilizada com propósitos comerciais. A indústria animal começou a utilizar este factor para publicitar os seus produtos, frequentemente sem que as suas práticas de exploração correspondam de todo a um bem-estar animal. Assim, leis animais fracas, como um pouco de espaço adicional nas jaulas de galinhas, podem permitir tais manobras publicitárias sem requerer grandes alterações na produção, não aumentando o custo desta significativamente. Contudo, esse efeito não deve ser exagerado, visto que a indústria animal irá publicitar os produtos de qualquer das formas, e esses efeitos da publicidade não costumam durar muito.

Existe outro aspecto desta dinâmica que é frequentemente referido como um argumento contra as reformas bem-estaristas. Se determinados produtos forem vendidos como “amigos dos animais”, especialmente quando as organizações de bem-estar e direitos dos animais promovem esses produtos, os consumidores que estiverem preocupados com as questões dos animais e estiverem sensíveis aos argumentos dos direitos dos animais podem sentir-se tranquilizados e consumir mais destes produtos sem pensar duas vezes. Deste modo, tais reformas podem dificultar a mensagem dos direitos dos animais de que a exploração de animais não humanos deve ser questionada de uma forma fundamental.

A existência deste efeito e a sua importância é, no entanto, puramente uma questão psicológica e terá de ser confirmada ou desmentida pelos estudos no efeito das mensagens publicitárias. Neste momento não existem dados que fundamentem esta ideia, e não existe nenhuma indicação empírica de que este efeito tenha um impacto significativo na sociedade. Na realidade, existe um efeito contrário, que pode atingir consequências mais profundas. Afinal de contas, uma imagem positiva do bem-estar animal significa que a compaixão e a empatia pelos animais está a ser mais valorizada, o que implica que existe maior apoio para futuras reformas de bem-estar animal. Se as pessoas estiverem receptivas ao bem-estar animal e os seus fundamentos, então a experiência mostra que elas estarão mais preparadas para pensar em direitos dos animais, que têm a sua base psicológica no bem-estar animal e na empatia pelos animais.

Analisemos então os dados. Na Áustria, todos os anos as leis referentes a animais estão a evoluir. A velocidade com que estas reformas se desenvolvem e o grau em que elas aumentam as restrições no uso de animais seguem uma tendência crescente nos últimos anos. Certamente nos últimos 10 anos, foram introduzidas leis que restringem o uso de animais até um grau nunca antes visto. Relembre-se a restrição de explorações de peles em 1998, a qual foi seguida por uma proibição completa em 2005. Uma aparentemente fraca regulamentação de como os animais podem ser mantidos e usados em circos foi seguida por uma proibição completa 15 anos mais tarde. A lei que regulava as experiências em animais de 1988 foi actualizada em 2006, e passou a proibir por completo experiências em primatas. As regulamentações sobre como manter coelhos para produção de carne foram introduzidas em 2005, e evoluíram para uma proibição completa de todas as jaulas em 2008, que entrou em vigor em 2012. As regras relativas à exploração de galinhas poedeiras foram revistas em 1999, e de novo em 2003, evoluindo até uma proibição de todas as jaulas em 2005, que vigora desde 2009. Claramente, o desenvolvimento de leis animais está, na prática, a ser exponencial e com regras mais severas. Isto sugere a veracidade da noção proposta da existência de uma continuidade política que começa no uso de animais, passando pelo bem-estar, e terminando nos direitos dos animais. É também indicativo de que banir certos aspectos especificamente revoltantes no uso de animais leva a mais proibições e mais bem-estar animal, e segue na direcção dos direitos dos animais quando uma prática é banida por completo (como as explorações de peles), ou quando até a forma mais “humana” de abate é proibida. 

Uma lei animal mais restritiva num sector pode também desencadear maiores restrições noutros sectores, como quando, por exemplo, a proibição das jaulas para galinhas poedeiras em 2005 foi utilizada para justificar a introdução da proibição de jaulas de coelhos em 2008.

Será possível que quando um dado padrão de bem-estar animal é atingido, subitamente o processo seja interrompido e nenhuma evolução de leis animais possa ser leva a cabo na direcção do objectivo final dos direitos animais? Não existe indicação disso. Após a proibição de jaulas para galinhas poedeiras na Áustria, metade das maiores explorações simplesmente fechou, e a outra metade transitou para produção extensiva. Este novo tipo de produção corresponde a uma exploração clássica com 9 galinhas por m² (sendo que as jaulas levavam 16 galinhas por m²). Como todas as explorações intensivas estavam fechadas por esta altura, de imediato o alvo da crítica passou a ser este novo e mais dispendioso sistema de produção. Os grupos de direitos de animais recentemente formados, que nunca presenciaram a realidade das jaulas de produção intensiva, já invadiram explorações extensivas e revelaram imagens chocantes para a comunicação social, que se viu forçada a divulgar este material. O grupo de direitos de animais mais decisivo na obtenção da proibição da exploração intensiva lançou uma nova publicação de 40 páginas sobre a agricultura animal em 2008, que critica o sistema extensivo de ovos directamente, incluindo imagens explícitas, bem como todas as formas de exploração, exigindo mudanças na lei e apresentando a sugestão do veganismo. Até o gestor de uma grande cadeia de supermercados, que já tinha banido das suas prateleiras todos os ovos de produção intensiva há 14 anos, contactou os grupos animais revelando a sua intenção de também remover os ovos de produção extensiva no futuro. Assim, o que a experiência demonstra é que o ataque ao recentemente formado sistema de produção extensiva começou muito mais cedo que o esperado. Embora não exista muita margem de manobra política para introduzir uma nova proibição no curto prazo, esse tópico pode ser um tema sério de debate dentro de 10 anos. Se o processo está a ser repetido, ou seja, no lugar de uma proibição das jaulas, caminhamos para uma proibição da produção extensiva e consequente remoção destes ovos das prateleiras dos supermercados, o que impediria o movimento de continuar este processo até ao ponto em que toda a exploração de galinhas seja proibida, tal como sucedeu com a indústria das peles?

Se a consciência crítica dos aspectos de abuso a animais na indústria animal, bem como apoiar o bem-estar animal em si, são condições necessárias para os indivíduos se aproximarem dos direitos dos animais, é esperado que as sociedades com maiores padrões de bem-estar animal terão maiores movimentos dos direitos dos animais, maior propensão a um pensamento baseado nestes direitos, e maior quantidade de opções veganas disponíveis. Em contraste, sociedades com muito menores níveis de bem-estar animal deverão apresentar tendências opostas. De facto, confirma-se que este é o caso. Países europeus como a Inglaterra, Suécia ou Áustria têm padrões elevados de bem-estar animal e um movimento de direitos dos animais próspero. Por outro lado, países com muito baixo nível de bem-estar animal como a China parecem bastante desinteressados das questões animais, e o veganismo como uma escolha ética é desconhecido.

Se tivermos todos os aspectos em conta, os dados sugerem que reformas com leis animais muito restritivas não só não são obstáculo para os direitos dos animais, como até promovem o desenvolvimento da sociedade nesta direcção.

Aspectos adicionais do processo faseado de reformas

  • Que reformas são classificadas como abolicionistas e que reformas são classificadas como reformistas parece depender de uma ideologia particular. Gary Francione define 5 critérios, no seu livro Rain without Thunder (Temple University Press, Philadelphia, 1996), que determinam quando uma lei deve ser designada de abolicionista. Uma proibição completa de jaulas é referida por ele como um exemplo de uma lei abolicionista, ao contrário de uma lei que meramente aumente o espaço por galinha nas jaulas. Uma proibição de jaulas significa que o interesse do movimento pela liberdade das galinhas está a ser respeitado, como o autor refere, mesmo que este interesse não traga qualquer vantagem para a indústria que explora as galinhas. No entanto, a argumentação de Francione é puramente teórica, não facultando nenhuns dados que fundamentem estas sugestões, e a sua definição de abolicionismo parece ser deontológica e não consequencialista, mesmo que seja difícil ver como uma teoria de como se deve agir politicamente pode não estar completamente focada no grau em que a acção promove ou não o seu objectivo. 
  • A opinião de Lee Hall, publicada no livro Capers in the Churchyard (Nectra Bat Press 2006), é ainda mais radical. Para ela, qualquer lei, independentemente do seu conteúdo, desde que não garanta direitos plenamente iguais a todos os animais de uma vez, é uma lei reformista e deve ser rejeitada. A razão para a sua visão é que tais leis iriam implicitamente permitir alguma forma de exploração animal. Por exemplo, uma proibição de exploração de peles é permissiva com a produção de couro, e os direitos para todos os primatas são permissivos no que diz respeito à falta de direitos de animais não primatas. Hall chega a dizer que qualquer campanha que tenha um objectivo inferior aos direitos plenos dos animais e veganismo para todos é reformista, isto porque sugere que qualquer forma de exploração animal fora do seu âmbito é legítima. Ela resume até a actividade da Frente de Libertação Animal (ALF) como uma campanha reformista. Para a autora, o activismo vegano amigável é o único caminho que leva aos direitos dos animais, a única actividade verdadeiramente abolicionista. Porém, Hall não fornece quaisquer dados que fundamentem as suas ideias, nem no livro nem em forma de inquéritos, e sem dados que a suportem, a sua teoria parece altamente duvidosa. 
  • As reformas de leis animais geralmente melhoram a qualidade de vida dos animais individuais que sejam visados pela lei. Uma galinha poedeira numa jaula certamente terá uma vida muito pior que uma galinha num sistema de criação ao ar livre. Este aspecto, no entanto, por muito que possa ser do interesse capital dos animais, não desempenha qualquer papel na avaliação política do potencial de uma campanha caminhar no sentido dos direitos dos animais.
  • No mundo inteiro, mais de 2000 activistas foram até ao momento presos pelas suas acções no âmbito dos direitos dos animais, por terem quebrado leis especistas. De um ponto de visto da ética, a sua prisão é injusta e uma violação do seu direito à liberdade. Vários grupos apoiam, assim, estes prisioneiros, não apenas individualmente, como também com campanhas políticas. É solicitado ao público que sejam assinadas petições para melhorar o sistema prisional, como a proibição de celas de isolamento e a inclusão da disponibilidade de refeições veganas. Embora estes grupos desaprovem por completo o aprisionamento de activistas animais, decidiram que é mais vantajoso fazer campanha por objectivos realistas que possam ser alcançados e que podem melhorar a situação dos prisioneiros. Tais campanhas deverão ser, a todos os níveis, designadas de reformistas e não abolicionistas. Porém, os abolicionistas radicais não desaprovam delas. Surpreendentemente, ninguém questiona se estas campanhas não legitimam o aprisionamento dos activistas animais perante a opinião pública, ou se o seu sucesso em obter melhores condições na prisão irá servir para fortalecer o hábito na sociedade de prender activistas que tenham libertado animais. 
  • Campanhas actuais para obtenção de leis animais realistas produziram várias sociedades de bem-estar e direitos dos animais, que se tornaram poderosas e capazes de influência política. Quanto maior é uma destas sociedades, mais popular e moderada ela é. Na Áustria, no entanto, existe uma tendência clara de sociedades grandes em se tornarem mais radicais e pró-vegetarianas. Todos estes grupos em conjunto recolhem 30 milhões de euros por ano em doações só na Áustria, e mesmo se uma pequena parte desse dinheiro for gasto em espalhar a compaixão e empatia pelos animais entre o público, servirá para criar bases positivas para os direitos dos animais. Algumas destas sociedades promovem explicitamente o veganismo através da sua literatura. Se todos os grupos de activismo animal mudassem para campanhas puramente abolicionistas, iriam drasticamente reduzir o tamanho das sociedades veganas, e perderiam todas a sua influência e capacidade de promover o veganismo.  
  • Em princípio, utilizar imagens que mostrem abuso a animais particularmente chocante deve ser designado por propaganda reformista. Afinal de contas, essas imagens insinuam que manter estes animais sem este tipo de crueldade é correcto, o que significa que essas mesmas imagens não questionam a utilização dos animais, mas sim o seu abuso violento. Ao rejeitar tais conteúdos, no entanto, o movimento estaria desprovido da sua maior arma na guerra de propaganda. Na realidade, visto que existe uma continuidade psicológica desde o bem-estar animal até aos direitos dos animais, esses conteúdos produzem veganos e activistas dos direitos dos animais, o que de novo demonstra que o argumento abolicionista é falso.
  • Campanhas reformistas resultam em sucessos. Os últimos 10 anos de campanhas reformistas na Áustria produziram uma lista formidável de tais sucessos, que claramente tornam a lei animal austríaca na melhor do mundo. Estas vitórias são o combustível do activismo que, por ser uma actividade que requer tanta energia no longo prazo, necessita de níveis altos de motivação. Se conseguirmos antever que o nosso activismo altera de facto algo na sociedade, isso fará com que a motivação para continuar as actividades seja estimulada. Já no activismo vegano, não existe nenhuma sensação de sucesso deste género. Muitas pessoas que se tornaram veganas tornam a consumir produtos animais, e a sociedade como um todo não parece modificar-se fundamentalmente, após 130 anos de campanhas veganas. É extremamente improvável que uma quantidade significativa de activistas possa manter um activismo vegano amigável sem ter sucessos concretos durante períodos largos de tempo.

Resumo

A análise do activismo político pelos animais, juntamente com os dados resultantes das experiências até ao momento, sugerem a seguinte abordagem para atingir os direitos dos animais no longo prazo:

O objectivo principal do movimento dos direitos dos animais deve ser criar pressão política para atingir reformas na direcção dos destes direitos. Uma reforma é um passo na direcção dos direitos dos animais se tiver sucesso em deteriorar a indústria animal. Sem esta indústria, os direitos dos animais seriam a realidade natural, pelo que enfraquecê-la através de leis animais mais rígidas serve um propósito duplo: em primeiro lugar, enfraquece o adversário das leis animais no futuro, e em segundo, faz com que os produtos animais encareçam e menos pessoas os comprem, passando as alternativas a ter melhores hipóteses de competir no mercado livre. Leis animais mais severas não impedem as pessoas de se consciencializarem das questões dos direitos dos animais, e de facto promovem-nas, visto que o bem-estar animal é o precursor psicológico dos direitos dos animais.

Para produzir pressão política suficiente, um grande número de activistas e o favorecimento da opinião pública são vantajosos. No entanto, estas duas componentes são objectivos secundários, visto que apenas servem para ajudar a atingir o objectivo principal, enfraquecer a indústria animal.

Tentar convencer pessoas individuais, uma de cada vez, é uma táctica que necessariamente falha, enquanto o sistema não for alterado. Isso acontece porque o sistema social determina o comportamento dos seus elementos. Numa sociedade extremamente especista, ser vegano implica um gasto tremendo de energia, pelo que apenas uma pequena minoria vai ter motivação e intenção suficientes para manter este estilo de vida. Por outro lado, um sistema numa sociedade que não disponibilize produtos animais irá automaticamente resultar no surgimento de pessoas veganas, e num prazo máximo de uma ou duas gerações de jovens que crescem com uma sociedade vegana, a consciência dos direitos dos animais irá impor-se.

Usando argumentos puramente racionais, podemos de forma convincente sugerir que os direitos dos animais são o ideal ético. Para isso, não necessitamos de usar dados empíricos da psicologia humana nem de nos preocuparmos com a situação política numa altura particular da sociedade. O ideal ético tem fundamentos deontológicos e não justificações consequencialistas.

Porém, se queremos colocar em prática esse ideal de ética e mudar a sociedade, dependemos inteiramente de parâmetros psicológicos. A política é boa se mudar a sociedade na direcção do ideal ético. Isso significa que, em contraste com a situação anterior, o valor da política é puramente medido de forma consequencialista, ou seja, através da medição das suas consequências. Não existem políticas boas ou más por si mesmas, como Immanuel Kant propôs, por exemplo, para a mentira, que supostamente seria uma actividade antiética por si mesma, mesmo que ao mentir em determinadas circunstâncias pudessem ser salvas vidas, ou evoluir a sociedade na direcção do ideal de ética.

É conhecimento básico da psicologia humana que os humanos são animais muitos mais sociais do que racionais. Se os humanos fossem puramente racionais, poderíamos ignorar a psicologia na política, e cingir-nos a uma argumentação racional, sem o uso de dados empíricos. A teoria e a prática seriam equivalentes. No entanto, os humanos são sem dúvida muito mais sociais que racionais, e isso significa que, para o movimento dos direitos dos animais:

  • Conceitos sociais como compaixão, empatia e sofrimento são factores muito importantes para motivar os humanos a mudar o seu comportamento. Em contraste, conceitos racionais abstractos, como personalidade ou direitos, não têm esta relevância.
  • Um dos aspectos mais importantes na determinação do comportamento humano é o seu ambiente social. Os humanos querem estar bem integrados na sociedade e viver em harmonia com a mesma.
  • Os humanos têm uma forte necessidade de segurança na sociedade, ou seja, no geral querem que as situações se mantenham como elas são, e que a mudança aconteça lentamente de forma controlada.

O movimento dos direitos dos animais deve adaptar as suas estratégias de campanhas políticas a estes factos da psicologia, o que significa que as campanhas devem incorporar os seguintes aspectos:

  • Centrar o material de campanha em apresentar o sofrimento e estimular a compaixão e empatia nas pessoas. Frases racionais e abstractas que usem termos como direitos ou personalidade não devem estar muito presentes. 
  • O objectivo da campanha deve ser apresentado ao público de forma a que se entenda que, quando for atingido, um certo aspecto bastante identificável do sofrimento dos animais será totalmente aliviado.
  • O objectivo da campanha deve ser mudar a sociedade, o sistema social em que as pessoas vivem, e não as mentalidades individuais.
  • A campanha não deve exigir mudanças drásticas na sociedade. O objectivo deve ser realista e bem definido. A evolução global da sociedade deve ser lenta e contínua.

Assim, é de vital importância distinguir entre a filosofia racional e abstracta, que tem uma base deontológica teórica para justificar o ideal ético, e a psicologia social aplicada com uma base consequencialista que justifica na prática as campanhas políticas.

Tradução: João Santos
Artigo traduzido com a permissão do autor.
Artigo original: Abolitionism versus Reformism