Por Matt Ball, activista da organização The Good Food Institute, co-fundador das organizações Vegan Outreach e One Step for Animals, co-autor do livro The Animal Activist’s Handbook, e autor do livro The Accidental Activist: Stories, Speeches, Articles, and Interviews by Vegan Outreach’s Cofounder.
Quando me tornei vegano há mais de 20 anos, um tema frequente era “Ganhar um debate com um comedor de carne.” Todos os tópicos eram jogo limpo, e cada ponto ou teoria – não importava quão tangencial ou absurda – era argumentada fanaticamente.
Também eu caí nesta armadilha, acreditando e papagueando as mais provocatórias afirmações sobre impotência, uso de água, e outros absurdos. Levei muito tempo a perceber que o essencial não é mostrar quantas afirmações eu tinha memorizado, ou glorificar o meu veganismo, ou “derrotar” um comedor de carne.
Em vez disso, o ponto essencial é ajudar os animais ajudando mais pessoas a fazerem escolhas informadas e compassivas.
No entanto, muitas afirmações dúbias “pro-vegetarianismo” continuam a circular por aí hoje em dia, minando a advocacia eficaz pelos animais. Por exemplo, alguns veganos sentem a necessidade de afirmarem que o veganismo é “natural” (seja o que for que isso possa significar). Para isto ser verdade, a dieta vegana (como se houvesse uma única dieta vegana) tem de ser perfeita por si mesma, sem requerer planeamento, e sem suplementos. Isto conduz a uma das fantasias mais prejudiciais: que nós não precisamos de nos preocupar de todo com nutrição, incluindo com coisas como a proteína, o zinco, o ferro ou a vitamina B12.
Claro que eu compreendo o desejo de se acreditar que o veganismo é a nossa dieta natural (e que curaria a calvície, alimentaria os famintos, traria a paz mundial). Mas o nosso objectivo não é mostrar o quão fantástico o veganismo é; o que é importante é salvar animais. Para se fazer isso, requer-se uma avaliação honesta da realidade, desdeos aspectos nutricionais do veganismo até à psicologia de como as pessoas podem mudar e de facto mudam.
Contudo, muitos activistas pensam, “Se um argumento a favor do vegetarianismo é bom, então dez são melhor, e cem são melhor ainda!”
Mas isto na realidade é o oposto de como a psicologia humana funciona. Um argumento para uma mudança significativa não é reforçado pela quantidade. Em vez disso, qualquer argumento a favor da mudança é uma corrente – apenas tão forte quanto o seu elo mais fraco. Depois de um certo ponto, cada argumento adicional apresentado a um não vegetariano tanto enfraquece como causa distracção em relação ao argumento mais forte para se fazer escolhas compassivas.
Em vez de serem deixadas com a ligação concreta, indisputável com a crueldade, os argumentos apresentados por muitos activistas deixam os comedores de carne a pensar o seguinte:
- “Pois, talvez eu deva comprar uma sandwich de galinha em vez daquele hambúrguer.”
- “Aquilo que eu como não vai realmente ter impacto em alguém que morre de fome em África.”
- “O que eu como não vai realmente afectar o aquecimento global.”
- “Isto faz-me lembrar aquele artigo que explicava como a galinha é tão mais amiga do ambiente do que o bife.”
- “Meu deus, que fanático – como se eu fosse comer apenas frutas e vegetais não processados.”
- “Eles pensam que os animais são mais importantes do que as pessoas!”
Como eu disse antes, os comedores de carne são os únicos que estão em posição de salvarem animais no futuro. Temos de captar-lhes a atenção de uma maneira realista, construtiva e honesta, e não glorificarmo-nos a nós próprios ou impressionarmos outros veganos.
Claro que, tal como eu compreendo o desejo de se acreditar que o veganismo tem poderes mágicos, eu tenho consciência de que pode ser difícil ser-se vegano nesta sociedade. Por exemplo, recentemente ouvi a história de uma mulher que foi hostilizada no trabalho por pessoas que deliberadamente comiam carne mesmo à frente dela e que enviavam emails rudes anti-animais para o seu grupo de trabalho. Eu percebo completamente o desejo de se defender o nosso veganismo pessoal com uma litania interminável de argumentos, de forma a se conseguir “ganhar um debate com um comedor de carne.”
Mas, novamente, defendermo-nos/ganharmos um debate é na realidade o oposto de como melhor criarmos uma mudança real para os animais na sociedade de hoje. Sempre que damos um argumento que pode ser debatido (relações de conversão calórica, uso de água, taxas de mortalidade e de doenças especificas, pegadas ecológicas comparadas, propriedades nutricionais dos alimentos vegetais comparadas com as dos alimentos animais), os animais perdem.
Sempre que eu menciono que nós nos devemos manter focados no ponto fundamental da crueldade para com os animais, algumas pessoas respondem: “Mas o meu Tio Bubba não se preocupa com os animais! Eu tenho de apelar ao se interesse pessoal!” ou “A Suzy no Meetup disse que se tornou veg por razões de saúde, portanto obviamente que funciona!”
É difícil de aceitar, mas em última análise, o Tio Bubba é irrelevante para o nosso trabalho actual pelos animais. Ele vai estar morto muito, mas muito tempo antes de possivelmente poder ser um impedimento para uma sociedade vegetariana. Mas mais provavelmente, a nossa insistência em encontrarmos e promovermos o argumento “mágico” que apela a toda a gente irá, na melhor das hipóteses, levar o Tio Bubba a substituir a carne vermelha por galinhas e peixes muito mais pequenos, com o resultado líquido total de as suas escolhas causarem sofrimento a muitíssimos mais animais. Claro que isso também vai reforçar a ideia de que apenas devemos fazer aquilo que sentimos que é melhor para nós próprios.
Quando eu deixei de comer animais, cerca de cinco mil milhões de aves eram mortas nos Estados Unidos cada ano. Agora são quase dez mil milhões – tudo por causa do “interesse pessoal.” Nós, os activitas, obcecamos com o facto de “o argumento da saúde” ter convencido a Suzy crudívora no Meetup, e ignoramos convenientemente a nossa culpabilidade pela quase duplicação dos animais abatidos para comida saudável.
É absolutamente errado a todos os níveis fazer vista grossa ao enorme aumento do número de animais a sofrerem, e à razão por trás desse horror: o interesse pessoal.
Deixem-me enfatizar novamente: eu quero fazer tudo o que posso para reduzir o número de animais que estão a sofrer. Eu compartilho por completo o desejo de encontrar o argumento egoísta perfeito que irá apelar a mais pessoas.
Mas nós só podemos ajudar os animais ao estarmos mais interessados na realidade do que nos nossos desejos pessoais. É completamente irrelevante o quão forte nos parece a nós um argumento. Só trabalhando no mundo real e convencendo mais não vegetarianos a fazerem uma mudança líquida positiva é que podemos realmente ajudar os animais.
Os factos são simples, firmes, e incontestáveis:
- Neste momento, simplesmente não há um argumento mágico ou uma combinação de argumentos que vai convencer toda a gente – ou mesmo uma maioria – a tornar-se vegana.
- O argumento da saúde, tal como realmente é interpretado e seguido no mundo real por não vegetarianos matou muitíssimos mais animais do que os que poupou.
- Cada argumento adicional que damos aos comedores de carne dá-lhes uma maior distância entre eles mesmos e a sua ligação real e imediata à brutalidade da criação intensiva.
Devemos fazer a nós mesmos esta pergunta: Vamos trabalhar pelos animais no mundo tal como ele é, ou vamos viver na agradável caixa de ressonância vegana?
Cada um de nós pode fazer uma diferença real e significativa. Mas não nos podemos dar ao luxo de fazer os meus erros do passado outra vez, ou de tentarmos vencer um debate. Em vez disso, devemos focar-nos nos animais.
Mesmo que eles sejam todos válidos, tentar usar múltiplos argumentos faz-nos activistas menos eficazes com as pessoas que potencialmente podem fazer mudanças pelos animais. Além disso, muitos desses argumentos fazem mal aos animais, quando o seu impacto líquido geral é avaliado. Quando damos argumentos que reforçam a ideia de que toda a gente apenas deve ser motivada por interesse pessoal, reforçamos o apelo da sociedade para que as pessoas troquem o consumo de animais grandes por animais pequenos. Por conseguinte, temos sempre de analisar o impacto líquido da nossa advocacia em todos os animais – não apenas se um argumento nos soa bem ou se funcionou para algumas pessoas que por acaso conhecemos. Apesar de como um artigo, estudo ou afirmação nos soe, se há alguma possibilidade de levar não vegetarianos a comerem mais galinhas e/ou peixes, não os devemos promover.
Tradução: Nuno Metello
Artigo traduzido com permissão do autor.
Original: http://www.mattball.org/2015/02/animals-not-arguments.html