Por Tobias Leenaert (activista, co-fundador da organização ProVeg International, co-fundador da organização Center for Effective Vegan Advocacy (CEVA) e autor do livro How to Create a Vegan World: a Pragmatic Approach)
Este é um artigo da escritora convidada Drª Melanie Joy, uma psicóloga licenciada em Harvard, autora do livro “WhyWe Love Dogs, Eat Pigs, and Wear Cows: An Introduction to Carnism” [Porque Amamos Cães, Comemos Porcos e nos Vestimos com Vacas: Uma Introdução ao Carnismo.]” Neste artigo, ela fala daquilo que considera ser um problema principal no nosso movimento: a humilhação de veganos por outros veganos. Este é um texto longo, por isso, sentem-se confortavelmente e demorem o tempo que for necessário para digerir os diversos pontos importantes que ela apresenta.
Drª Melanie Joy
Recentemente, durante uma conferência para activistas dos direitos dos animais, aconteceu um incidente que me deixou perturbada e preocupada pelo nosso movimento. Um palestrante e vegano de longa data estava a dar uma apresentação sobre activismo eficaz a uma audiência de cerca de 300 pessoas, quando, repentinamente, dois activistas saltaram para o palco. Um trazia uma galinha morta; o outro trazia um cartaz que afirmava que a organização do palestrante era corrupta. Então, o activista com a galinha agarrou o microfone e procedeu a anunciar porque é que considerava que o orador era um hipócrita, responsável pelo sofrimento animal, e porque é que a organização (vegana) do orador beneficiava, na realidade, com a exploração animal. (Apesar do facto de a organização em causa ter um registo excepcional na promoção do veganismo, a sua abordagem pública, por vezes, atrai criticas de grupos mais radicais.*) Os cerca de quarenta minutos seguintes foram despendidos num debate “improvisado” no qual o orador – um vegano que dedicou a sua vida a reduzir o sofrimento animal – foi forçado a explicar que, de facto, se preocupa com animais, em vez de terminar a sua apresentação, que foi concebida para ajudar activistas a salvar animais de uma forma mais eficaz.
Durante todo esse tempo, os membros da audiência aplaudiam e vaiavam após cada exigência do activista acusador; ou, aplaudiam após o palestrante se defender com sucesso a si e à sua organização. A determinada altura, foi disponibilizada a oportunidade de participação aos membros da audiência e, apesar de muitos deles apoiarem a posição do orador, outros aproveitaram a oportunidade para fomentar algo que se assemelhava a uma inquisição. Esta dinâmica continuou no dia seguinte, quando o debate foi reiniciado. Ninguém parecia minimamente incomodado que um indivíduo que despendeu uma extensa quantidade de tempo e energia na preparação e apresentação de uma palestra tenha tido a sua apresentação sabotada – ou que um ser humano, e vegano dedicado, tenha sido alvo daquilo que só consegui identificar como uma tentativa de humilhação pública.
Humilhação
“O movimento vegano é suposto agir como um contraponto às atitudes prevalentes que causam sofrimento, ao contrário de alivia-lo.”
A humilhação é, infelizmente, um comportamento social disseminado, que permanece inalterado, principalmente, porque é tão normal que se torna irrelevante – e a humilhação pública é um espectáculo cada vez mais popular, reminiscente dos Jogos Romanos e, possivelmente, mais prejudicial. Como tal, aceitar e celebrar comportamentos que ambicionam humilhar não é exclusivo do movimento vegano. No entanto, o movimento vegano é suposto agir como um contraponto às atitudes prevalentes que causam sofrimento, ao contrário de alivia-lo. Claramente, o facto de que um comportamento injusto é socialmente aceite não é uma desculpa para que o adoptemos desconsideradamente.
Nós humilhamos os outros sempre que os julgamos ou menosprezamos; quando comunicamos que são, de certa forma, inferiores a nós mesmos ou aos outros. Os comportamentos de humilhação podem ir desde um subtil revirar de olhos quando o nosso amigo não-vegano pede um hambúrguer de carne em vez de um hambúrguer vegetariano, a um assalto verbal quando um colega vegano expressa uma opinião com a qual discordamos.

A humilhação é a emoção que resulta de um comportamento intimidador, abusivo, ou, de outra forma, menosprezador. A humilhação é o sentimento de ser “menos do que” os outros. Podemo-nos sentir menos poderosos, menos éticos, menos atraentes, menos inteligentes, etc. Em última instância, no entanto, a humilhação é o sentimento de ser menos importante do que os demais. Quando derivamos a nossa auto-estima do activismo, atractividade, inteligência, etc. – como a maioria de nós aprendeu a fazer – inevitavelmente, sentimo-nos humilhados quando somos menosprezados.
Praticamente, todos nós transportamos uma boa dose de humilhação; é apenas uma questão de quanta humilhação cada um de nós suporta. Herdamos um mundo profundamente problemático, com exemplos a seguir que não são perfeitos. Mesmo os poucos de nós que tiveram pais emocionalmente saudáveis foram afectados por uma cultura popular na qual a competição, violência e degradação – fenómenos que induzem humilhação – são tanto normais como celebrados.

Grandiosidade
O lado oposto da humilhação é a grandiosidade, o sentimento de ser superior a, ou “melhor que”, os outros. O sentimento inflacionado da grandiosidade, não importa quão suave, pode ser sedutor. Quando estamos num estado de grandiosidade, mantemo-nos (largamente) indiferentes à vergonha que a maior parte de nós passa a vida a tentar negar, evitar, ou, de outra forma, encobrir. Portanto, humilhar os outros pode ser tentador, uma vez que os torna inferiores e, automaticamente, nos coloca numa posição de superioridade. Um exemplo comum desta dinâmica entre veganos é a humilhação moral e intelectual – comunicar que o outro é menos inteligente e menos ético, frequentemente, por não concordar com o nosso ponto de vista. O propósito da humilhação moral e intelectual é o de demonstrar a nossa posição como “correcta” e a dos outros como “errada”, ao contrário de examinar e discutir perspectivas diferentes de uma forma objectiva.
A humilhação moral e intelectual consegue ser particularmente prejudicial, uma vez que pode ser difícil de reconhecer e, como tal, de dar resposta a; gritos são mais fáceis de identificar do que escárnios. Por vezes, a humilhação moral e intelectual é disfarçada por uma argumentação brilhante e uma prose eloquente. Quando a beleza de palavras bem escolhidas é combinada com paixão zelosa e um sentido de justiça inabalável, o resultado pode ser intoxicante. Veganos bem-intencionados podem-se deslumbrar com brilhantismo do carisma intelectual e, desapercebidamente, juntar-se ao apedrejamento daqueles cujas ideais foram determinadas como “erradas” e “imorais”. Não importa quão educado, empenhado ou moralmente convencido, alguém possa estar, as suas ideais não são, necessariamente, lógicas ou correctas, e a sua postura não é, necessariamente, ética. Devemos dar sempre um passo atrás e perguntar “Esta pessoa está a referir-se a dados empíricos, ou está, simplesmente, a expressar uma opinião? O argumento é logicamente sadio?” e “Como me sentiria do outro lado desses argumentos?”
Claro que, nem todos os argumentos de humilhação são tentativas de potenciar os nossos egos; por vezes, humilhamos os outros, simplesmente, porque estamos a tentar que façam algo que queremos que façam – e não nos apercebemos que o que estamos a fazer é prejudicial.
Grandiosidade e Sentido de Direito.
O sentido de direito é o acreditar que merecemos privilégios especiais que são negados aos outros, e é uma consequência natural de um estado de grandiosidade. Quando nos sentimos no direito, sentimos que podemos fazer aos outros aquilo que seria inaceitável que os outros nos fizessem.
Por exemplo, recentemente, um colega meu (vegano) foi questionado por outro vegano sobre a sua abordagem relativamente à liberação animal. O meu colega respondeu que era um proponente convicto da abolição da exploração animal. No entanto, quando o meu colega mencionou que apoiava uma estratégia no sentido da abolição diferente da do questionador, o outro vegano – que era totalmente desconhecido do meu colega – insistiu que o meu colega não se “importava realmente” em terminar com o sofrimento animal e que não era, de facto, um proponente da abolição da exploração animal. O vegano sentiu-se no direito de definir a identidade do meu colega por ele. Sentiu-se no direito de proclamar que a avaliação do meu colega estava errada – que ele sabia mais do que o meu colega sobre os seus objectivos e filosofia pessoal.
O Poder Moral Dita a Razão.
“Estes activistas acreditavam que era aceitável intimidar, humilhar, ou, de outra forma, difamar os outros, desde que o ataque proviesse de um sentido de justiça moral.”
Na conferência, apesar de estar incomodada com o comportamento do activista acusante, estava bastante mais preocupada com o facto de que ele estava a ser capaz de levar a cabo os seus actos de sabotagem e humilhação dos outros, porque lhe foi dada a plataforma para o fazer – uma vez que muitos activistas, aparentemente, também acreditavam que “o poder moral dita a razão.” Por outras palavras, eles acreditavam que era aceitável intimidar, humilhar, ou, de outra forma, difamar os outros, desde que o ataque proviesse de um sentido de justiça moral. Quando eu perguntei ao activista, por exemplo, porque é que ele se sentia no direito de violar o espaço do orador e, potencialmente, traumatiza-lo (e à audiência) ao expô-lo, forçadamente, a um cadáver – comportamentos que são reminiscentes de abusadores de animais – ele respondeu que a razão residia na suposição de que “o orador transgrediu uma linha ética,” uma afirmação à qual a plateia aplaudiu.
O psicoterapeuta Terrence Real, que se especializa em relações abusivas, chama a este tipo de comportamento “ofender a partir da posição da vítima.” Terrence Real afirma que todos os verdadeiros abusadores sentem um direito de justiça e acreditam que se estão a defender a si mesmos (ou, no caso dos activistas pelos direitos dos animais, que estão a defender os outros) quando estão a levar a cabo comportamentos abusivos. Um agressor, por exemplo, afirma quase sempre que bateu na sua parceira porque ela fez algo que o magoou: “Ela sabe que eu não suporto quando ela se queixa sobre a forma como eu trato as crianças, mas não consegue manter a boca calada.” Na mente do abusador, a sua parceira transgrediu a linha – uma linha subjectiva que ele construiu e que ele decidiu que demarcava o limite da violência justificável.
No paradigma em que “o poder moral dita a razão”, o abuso deixa de o ser se o comportamento emanar de um desgosto moral válido – e, claro está, a pessoa que decide se o desgosto moral é válido é aquela que leva a cabo o comportamento. Considerem os ataques terroristas do 11 de Setembro, ou os múltiplos tiroteios nas escolas americanas; actos violentos cometidos em nome da justiça moral. Apesar de estes exemplos serem, obviamente, muito mais violentos do que o do vegano que humilha outros veganos (ou não veganos), a mentalidade subjacente é similar; a diferença é, simplesmente, uma questão de grau.
Humilhar Veganos é uma Péssima Estratégia.
A maior parte das pessoas concordaria que ser íntegro impossibilita a estratégia de humilhar. A integridade é a congruência dos valores (tais como a compaixão e a justiça) com as acções e, como tal, quando nós humilhamos os outros, violamos esses valores. Portanto, humilhar os outros – veganos e não veganos – é, simplesmente, imoral.
“A humilhação entre veganos é, inerentemente, uma péssima estratégia.”
Mas, mesmo que nos preocupemos pouco com as consequências éticas de humilhar os outros, esse comportamento também tem consequências práticas. A humilhação entre veganos é, inerentemente, uma péssima estratégia: afasta os não veganos – cujo apoio necessitamos para o sucesso do movimento – enfraquece os veganos e causa um tremendo desperdício de energia que pode ser direccionado para um activismo eficaz.
Quando humilhamos os outros, aumentamos as hipóteses de que se afastem ou ataquem em autodefesa. Pessoas humilhadas podem deixar de agir a favor de si próprias ou dos outros, porque sentem que não tem a capacidade de instituir mudança. Considerem a jovem que testemunha os horrores da agricultura animal, que quer parar de comer animais, mas que não consegue suportar a pressão dos colegas por não se conformar com a norma carnista quando é chamada de “radical”. Por vezes, pessoas envergonhadas atacam, em vez de se afastarem, e humilham os outros como forma de justificação temporária. Considerem o rapaz que cai e arranha o joelho no recreio, começa a chorar, e é imediatamente humilhado pelos colegas por ser “uma rapariga” (infelizmente, chamar alguém de rapariga é um dos insultos mais ofensivos). Ele põe-se de pé e faz peito numa postura de “Vão ver!”, e tenta humilhar e intimidar os outros.
Os psicólogos sabem, há muito, que os comportamentos de humilhação são, inerentemente, abusivos, e que humilhar os outros é a melhor forma de atingir o oposto daquilo que desejamos (a não ser que sejamos lideres de um culto, guardas de prisioneiros políticos, ou, de outra forma, ambicionarmos enfraquecer ou “quebrar” os outros.)
Uma vez que a humilhação é tão debilitante, pessoalmente e socialmente, é a emoção que a cultura dominante instila naqueles que desafiam as suas práticas opressivas – silenciando, eficazmente, vozes dissidentes (quantas vezes aqueles de nós que são veganos “mordem a língua” por medo que ouvir dizer que são “demasiado sensíveis”, “extremistas”, “irracionais”, ou “moralmente desenquadrados”?) Os veganos não são alheios à humilhação; devemos debater-nos contra ela, todos os dias, enquanto nadamos contra a maré da cultura dominante.
A Humilhação dos Veganos na Cultura Dominante: Veganos como Demasiado Visíveis ou Invisíveis.
Por vezes, a humilhação dos veganos na cultura dominante é expressada de duas formas: os veganos são ou demasiado visíveis, ou invisíveis. Quando somos demasiado visíveis, as nossas atitudes e comportamentos são escrutinados ao detalhe, o que nos deixa pouco espaço para ser os humanos falíveis que somos, e nos leva a adoptar uma forma de “perfeccionismo tóxico”. Quando somos invisíveis, os nossos esforços são negados, invalidados e, de outra forma, obscurecidos. Quando os veganos se humilham entre si, eles reforçam estas atitudes humilhantes e extremamente danosas.
Veganos Demasiado Visíveis: Perfeccionismo Tóxico
Frequentemente, a cultura dominante exige dos veganos um estatuto impossível: é esperado que sejamos protótipos da virtude (somos hipócritas se vestirmos seda, extremistas se não o fizermos), modelos da saúde (se ficarmos doentes, a nossa ideologia é inteiramente questionada), e especialistas em tudo (não nos é permitido advogar o veganismo a não ser que tenhamos todas as respostas para o problema do carnismo – que, claramente, não temos.)
“Quando outros veganos reforçam o perfeccionismo tóxico, então, os resultados podem ser devastadores.”
Em adição, muitos veganos são altamente sensíveis à ideia de que podem fazer mal, ser imorais, ou não ser “bons o suficiente”, e incorporam a mensagem da cultura dominante de que necessitam de ser perfeitos para que tenham valor. Eles esforçam-se para aceitar a ideia de que os seus esforços são suficientes e, por vezes, malsucedidos. Assim sendo, o perfeccionismo tóxico é, não surpreendentemente, uma causa comum de depressão e esgotamento entre veganos. Quando outros veganos reforçam o perfeccionismo tóxico, então, os resultados podem ser devastadores. Um exemplo comum consiste em insistir que se ingerirem o mais pequeno vestígio de um produto de origem animal, tal como um vinho “não vegano”, ou um queijo se soja que contém caseína, que deixam de ser “um verdadeiro vegano” e, consequentemente, se tornam em exploradores de animais (uma atitude que, sem dúvida, também afugenta muitos novos veganos e potenciais veganos).
O perfeccionismo tóxico também conduz à redução da pessoa que está a ser julgada a nada mais do que aos seus comportamentos “vergonhosos”. O outro deixa de ser considerado como um indivíduo completo quando partes do seu activismo, ou vida, que contradizem o nosso julgamento são desvalorizadas. Por exemplo, uma campanha controversa de uma organização que fez um bem tremendo pelos animais pode conduzir a que seja acusada de ser “vendida” ou de colaborar com o opressor. Mesmo quando os factos, objectivamente, não o demonstrem – quando o indivíduo ou organização tenha, estatisticamente, feito bastante mais “bem” do que o potencial “mal” – o perfeccionismo tóxico conduz à invalidação desses dados mentalmente.
“Pessoas que receiam cometer erros são, frequentemente, pessoas que acabam por não fazer nada.”
Quando os veganos promovem um perfeccionismo tóxico, eles podem gerar um medo excessivo noutros veganos (e neles mesmos) de cometer erros. Um deslize, uma admissão de não ser “puro” o suficiente, pode conduzir a humilhação. Pessoas que receiam cometer erros são, frequentemente, pessoas que acabam por não fazer nada.
Veganos Invisíveis: Ingratidão.
O nosso trabalho não tem agradecimentos. Como activistas veganos, por vezes, trabalhamos incansavelmente, sem ser pagos, ou por muito menos do que normalmente receberíamos, e fazemo-lo por nenhuma outra razão, a não ser por nos preocuparmos. Os animais não nos podem agradecer, e nunca o farão. Os nossos esforços são, frequentemente, invisíveis, ridicularizados, ou mesmo contrariados pela cultura dominante, por vezes, mesmo por aqueles com quem temos relações mais próximas.
Portanto, quando os nossos companheiros activistas – as únicas pessoas no mundo que, verdadeiramente, “atingem” o que significa ser vegano num “mundo comedor de animais” – nos fazem, exactamente, aquilo que faz a cultura dominante – chamar-nos de hipócritas, humilhar-nos e atacar-nos – ficamos desmoralizados. Claramente, sentimo-nos ofendidos pelos ataques. Mas, talvez, um sentimento ainda mais insidioso seja o de nos sentirmos profundamente desvalorizados; um sentimento que pode levar ao desespero. O desejo por apreciação não é interesseiro ou egoísta: é uma necessidade humana básica que, quando não atingida, remove a motivação e a inspiração. Se duvidam disto, considerem como se sentiriam se o vosso parceiro não reconhecesse sempre que limpam a casa.
Da Humilhação ao Fortalecimento.
Seria trágico se os veganos concordassem em tudo. A nossa diversidade é a nossa força e a nossa beleza. No entanto, a forma como discordamos importa. Importa muito. Quando nos reunimos para discutir, ao contrário de disputar, as nossas ideais diferentes, podemos enriquecer-nos a nós mesmos e ao movimento. Nesse caso, abordamos as nossas discórdias com curiosidade e compaixão. Estamos abertos a aprender uns com os outros e, mesmo quando temos convicções fortes, não humilhamos ou intimidamos. Fortalecemos, não nos enfraquecemos, a nós e ao nosso movimento. O fortalecimento é o oposto da humilhação.
Comunicar com Empatia.
Podemos reduzir as hipóteses de humilharmos os outros se, antes de comunicarmos, pararmos para nos perguntar, “Estou conectado com a minha empatia? Estou, realmente, a considerar como funciona o mundo a partir do ponto de vista da outra pessoa? – Como será que as minhas palavras e acções se vão repercutir?” Ou “Como me sentiria e reagiria se alguém me dissesse isso a mim?” Estas perguntas são particularmente importantes se nos sentirmos irritados ou moralmente justos, e/ou se os outros são líderes ou organizações, uma vez que é mais fácil vê-los, simplesmente, como um símbolo, ao invés seres humanos ou instituições constituídas por seres humanos. Por vezes, esquecemo-nos que por baixo do papel de um director, autor, palestrante, etc. existe uma pessoa com sentimentos, desejos e necessidades; uma pessoa que será afectada pelas nossas palavras. E esquecemo-nos que as nossas organizações são formadas por activistas que são pessoas que se preocupam muito com a causa e o impacto do trabalho que desempenham.
“Um assunto é claro: humilhar ou intimidar outros veganos não ajuda os animais, uma vez que denigre a moral, desmotiva os activistas e enfraquece o movimento inteiro. Se queres fazer aquilo que é melhor para os animais, para de humilhar.”
Antes de comunicarmos podemo-nos perguntar: “Qual é o objectivo da minha comunicação? Que impacto espero que esta comunicação vá ter nos animais?” Muitos dos veganos que humilham outros veganos fazem-no a partir de uma preocupação genuína; acreditando que a abordagem dos outros para reduzir o sofrimento animal prejudica, de facto, os animais. Algumas abordagens estratégicas, sem dúvida, são melhores do que outras e, sem dados sólidos (que, no que se refere a estratégias gerais para a liberação animal, simplesmente, não possuímos) é difícil, se não impossível, saber qual a abordagem mais eficaz. Portanto, necessitamos de continuar a comunicar, discutir, analisar e aprender. Mas, um assunto é claro: humilhar ou intimidar outros veganos não ajuda os animais, uma vez que denigre a moral, desmotiva os activistas e enfraquece o movimento inteiro. Se queres fazer aquilo que é melhor para os animais, para de humilhar.
Criar Zonas Livres de Humilhação.
A forma mais importante de criarmos uma cultura livre de humilhação consiste em fazer tudo aquilo que esteja ao nosso alcance para remover a plataforma daqueles que humilham. Os intimidadores não teriam o impacto que têm se não tivessem audiência.
Tenho a esperança de que os veganos continuem a escolher tornar-se aliados na criação de um movimento com mais compaixão e, como tal, mais poderoso – ao comprometer-se na criação de uma cultura que está inoculada contra a humilhação (tanto de veganos como de não veganos). Para o fazermos, podemos criar zonas livres de humilhação em todos os sítios que possamos: nas nossas conversas e organizações, nas nossas conferências e reuniões, e, talvez mais importante ainda, nas nossas páginas sociais na internet, uma vez que é essa, frequentemente, a maior fonte de humilhação.
“A única coisa necessária para o triunfo do mal é que as pessoas do bem nada façam.” Edmund Burke
Em vez de apontarmos o dedo aos intimidadores – o que reforçaria a mentalidade reactiva de uma cultura de acusação – sugiro que apelemos à compaixão; que tenhamos um papel activo na salvaguarda de que não devemos ignorar ou efectuar comentários intimidatórios. Podemos colocar uma declaração nas nossas páginas sociais de que estamos empenhados em comunicar sem humilhar e, depois, sem julgamento, se alguém partilhar um comentário hostil ou humilhante, podemos pedir para que reformulem as suas preocupações de uma forma mais compassiva. Caso não o façam, podemos sempre apagar o comentário. Também podemos falar aos organizadores das nossas conferências, anfitriões de reuniões ou líderes organizacionais, quando notarmos que a humilhação é tolerada ou encorajada. Mais importante ainda é que não nos tornemos passivos perante as ofensas. Como Edmund Burk afirmou tão apropriadamente, “A única coisa necessária para o triunfo do mal é que as pessoas do bem nada façam.”

A maioria dos veganos são indivíduos altamente conscientes e compassivos que estão profundamente empenhados na integridade pessoal e transformação social. É provável que o nosso movimento tenha chegado ao ponto onde a acusação seja um problema, parcialmente, porque temos aceitado sem criticar o mito de que “o poder moral dita a razão” e, largamente, porque aqueles de nós que não humilham não prestam muita atenção ao fenómeno. Portanto, tornamo-nos em espectadores inadvertidos, permissores de um problema, simplesmente, porque não o mencionamos.
Humilhar prejudica o movimento. Como veganos, não nos podemos dar ao luxo do esquecimento; não podemos, simplesmente, ignorar afirmações hostis ou comentários menosprezadores. Devemos fazer aquilo que fazemos melhor: agir como consumidores críticos e encorajar os outros a fazer o mesmo. Devemos examinar não apenas aquilo que pomos nos nossos corpos, mas aquilo que trazemos para as nossas mentes e corações, e promover a compaixão em vez da crueldade.
* Claramente, diferentes abordagens ideológicas podem levantar questões legítimas, de ambos os lados. No entanto, o foco deste artigo incide na forma como abordamos essas questões, não nas questões em si.
Tradução: David Millions
Artigo traduzido com a permissão do autor.
Original: http://veganstrategist.org/2015/10/05/shaming-vegans-harms-animals-melanie-joy/