Estás a pensar perturbar quem come carne num restaurante? Lê isto primeiro.

Por Tobias Leenaert, autor do blogThe Vegan Strategiste do livro How to Create a Vegan World: A Pragmatic Approach.


Direct Action Everywhere (DxE) são os activistas dos direitos dos animais por trás das perturbações em restaurantes que servem carne. A manifestação no Rare Steakhouse em Melbourne, Austrália, no dia 30 de Janeiro de 2018, certamente ganhou destaque nos órgãos de comunicação. Dezenas de manifestantes entraram no restaurante, cantando com megafones e segurando cartazes com fotos de animais em sofrimento. Alguns veganos aplaudem estas tácticas e participam nelas, outros acham que são constrangedoras. Aqui estão alguns pensamentos sobre isso

Duas razões para começar a revolução

Eu posso imaginar que as pessoas adoptam estas tácticas agressivas por duas razões completamente diferentes. A razão número um poderá ser que com todo o sofrimento e matança animal, os veganos se sentem frustrados e querem acelerar a mudança. Eu certamente posso entender que as pessoas sentem que a mudança é muito lenta. A outra razão parece quase o oposto da primeira: temos visto uma grande quantidade de notícias nos últimos dois anos que confirmam a crescente popularidade das comidas à base de plantas: novas empresas veganas a darem-se muito bem (às vezes com investimentos da indústria da carne), novos produtos veganos que ficam esgotados assim que aparecem, celebridades que se tornam veganas, números espectaculares sobre o crescimento do número de veganos, e assim por diante. Presumo que informações assim possam encorajar alguns veganos e levá-los a pensar que este é o tempo para acções deste tipo. A revolução está aqui!

A minha opinião é que nem o sofrimento e a frustração, nem as boas notícias e o nosso optimismo, nos devem inspirar neste momento a organizar acções como perturbações em restaurantes. Eu não estou a falar de tácticas de acção directa em geral – na verdade, eu pessoalmente não tenho nenhum problema com elas quando são bem direccionadas (ver abaixo). Mas acho que neste caso, a acção é incorrecta e mal direccionada.

“Não digas às pessoas que estão erradas”

No que se segue, estarei parafraseando muito de uma sessão no Aspen Ideas Festival 2017, intitulada “Para persuadir os outros, preste atenção aos seus valores” . Os panelistas eram Matthew Feinberg, professor de comportamento organizacional na universidade de Toronto e Rob Willer, professor de sociologia e psicologia em Stanford. * Vale a pena ouvir a sessão na sua totalidade, mas a certa altura, o moderador pergunta aos pesquisadores se eles podem dar alguns conselhos sobre o que não fazer quando queremos mudar a opinião de alguém.

A primeira coisa de que Feinberg e Willer se lembram, com base na sua extensa pesquisa, é: não diga aos outros que os seus valores ou moral estão errados – a menos que queira criar uma discussão em vez de persuadi-los. Os valores morais de alguém são uma grande parte da sua identidade e desafiá-los constitui uma ameaça e censura. As pessoas geralmente reagem de forma defensiva quando ameaçadas – no domínio moral, isso é chamado de “reactância moral”. Eu escrevi anteriormente sobre uma forma que esta reactância pode tomar: a derrogação do bom-samaritano ou a humilhação da pessoa que faz algo de bom. O maior problema disto não é que os activistas sejam ridicularizados ou julgados negativamente, mas sim o facto de que por causa disto, as pessoas fiquem ainda menos propensas a mudar (Uma possível indicação disto pode ser o facto de que o número de seguidores nas redes sociais do restaurante aumentou significativamente como resultado deste incidente).

Então, o que estes especialistas sugerem como solução? Eles sugerem que se tente reformular a questão à cerca de valores que o público-alvo se preocupe. Eu escreverei sobre isso numa outra publicação.

“Não te envolvas em comportamentos extremos”

A segunda coisa que os panelistas recomendaram, especialmente aos activistas, é que não se envolvam em comportamentos extremos. O que eles descobriram em termos de activismo e protestos é que quanto mais extrema é a táctica, mais provável é afastar as pessoas. Feinberg e Willer identificam aqui um paradoxo: se querem atenção para a vossa causa, vocês precisam dos meios de comunicação. Mas o tipo de comportamento que provavelmente chamará mais atenção aos meios de comunicação, é o comportamento extremo que é mais provável de afastar o leitor ou espectador e por isso não apoiarão a vossa causa. Os pesquisadores acrescentaram curiosamente, que os próprios activistas quando questionados indicaram que eles consideram essas tácticas eficazes, não apenas para chamar a atenção das pessoas (aí estão correctos), mas também para persuadir as pessoas – aqui já não estão correctos. (Nota: muitos veganos fora da DxE parecem acreditar, como eu, que essas tácticas não são eficazes – e esta diferença de opinião dentro da comunidade vegana parece ser por si só, um tópico interessante para os meios de comunicação )

Na página do Facebook de Melbourne Cow Save – presumo que tenham sido coorganizadores – podemos ler: “Esta acção não era sobre educar as pessoas sobre o veganismo. Tratou-se de tomar acção directa não-violenta para acabar com a exploração e matança de todos os animais. Foi para forçar os direitos dos animais na consciência pública através de acção directa não-violenta “.Sim, eles definitivamente conseguiram transmitir a sua mensagem e deixar o púbico a falar sobre isso. Mas será que isto é necessariamente uma coisa boa? Levantar um problema na consciência pública não é o mesmo que mudar a consciência (e consequentemente na melhor das hipóteses, o comportamento). Certamente é de valorizar aumentar a consciencialização e tornar a causa num tema de conversa, mas se for feito de maneira que apenas provoca reactância moral, provavelmente isto está longe de ser ideal.

As vacas não são cachorros

Eu acredito que um dos erros que muitas pessoas da DxE são susceptíveis de fazer é que eles se apoiam demasiado em comparações com outros movimentos de justiça social. Muitas vezes, eles referem-se à desobediência civil não-violenta e à acção directa organizada por Martin Luther King ou Gandhi, onde eles dirão – com razão acho eu – que essas tácticas foram essenciais para provocar a mudança desejada.

Embora eu não negue que possa haver lições importantes a tirar de outros movimentos de justiça social, precisamos de estar atentos ao facto de que o movimento animal não está na mesma fase neste momento, em que o movimento dos direitos civis estava quando as pessoas usaram essas tácticas para libertar outras pessoas. Precisamos ter em mente onde é que um movimento está e qual é o apoio público para a nossa causa. Eu imagino que este tipo de coisa resulte muito melhor, ou tenha um impacto maior, se for sobre algo que a maioria concorda. Um activista foi citado dizendo que “se eles [o restaurante] vendessem os corpos de cachorros mortos e nós os impedíssemos, seríamos heróis.” Bem, sim, provavelmente. Mas se veganos vêem uma diferença ou não entre vacas e cachorros, o público em geral não vê.

É bom encontrarmo-nos com o público onde ele está, e não esperar que ele tenha os nossos valores ou que os aceite no momento. Por exemplo, impedir um restaurante de vender cachorros como comida seria muito eficaz num país ocidental onde a maioria das pessoas compartilha o valor de que os cães são companheiros, e não alimento. No entanto, em algumas partes do mundo, comer cães não é visto da mesma maneira, e uma perturbação não seria tão eficaz. Entretanto, tentar impedir as pessoas de comer carne de vaca num país como a Índia, onde as opiniões gerais sobre as vacas são muito diferentes dos países ocidentais, pode realmente ser eficaz.

Não vamos dar razões às pessoas para não nos escutarem

Então, estes activistas como o porta-voz percebe, não serão vistos como heróis. O facto de que isto importa não é uma questão de ego e sem dúvida os manifestantes não têm problemas de que não gostem deles. Na verdade, até certo ponto, eles possivelmente não se importam de serem considerados maçadores. Mas os veganos ainda são um pequeno grupo que pode beneficiar – na verdade, precisa – de muito mais apoio do que o que realmente tem. Precisamos de fazer coisas que aumentem o apoio que recebemos, em vez de alienar potenciais aliados. Mesmo que as coisas pareçam estar a melhorar, como veganos ainda estamos a lutar uma penosa batalha contra a estigmatização, contra pessoas que acreditam que somos todo o tipos de coisas: loucos, irritados, negativos, parte de um culto, nunca satisfeitos… Não devemos alimentar ou confirmar estas percepções (que às vezes são verdadeiras, mas na maioria das vezes não o são) e certamente não devemos dar razões às pessoas para não nos escutarem.

Potenciais vantagens

Tendo dito tudo isto, deixem-me tentar ser o mais generoso que consigo – é claro que o meu coração está com estes activistas – e ser o advogado do diabo por um momento. Vamos ver se conseguimos apresentar argumentos a favor deste tipo de perturbações em restaurantes e outras tácticas mais radicais.

·         Talvez os activistas e veganos mais moderados possam ser vistos como mais acessíveis e racionais quando comparados a este lado radical (este é o chamado “efeito do flanco radical” ), e isso pode ser uma coisa boa. No entanto, é igualmente possível que muitas pessoas – que ainda acreditam que é aceitável comer produtos animais – continuarão a equiparar as partes menos radicais com as partes mais radicais e assim considerar todos os veganos como radicais ou extremos. Não é verdade e não é certo, mas é muito humano.

·         Uma coisa boa que vejo sobre a DxE (e também sobre outras formas de activismo de rua) é que parece atrair e recrutar muitos activistas. Os veganos que até então eram passivos, ficam acesos ao ver demonstrações da DxE e tornaram-se activistas (vejam a explicação sobre isto mais abaixo na publicação). E ser um activista (ou seja, fazer algo mais pelos animais do que simplesmente não os comer) é importante. Mas é claro que se temos dúvidas se estas acções da DxE têm um impacto positivo, haver mais pessoas a participar nelas não é necessariamente bom. Se há uma discrepância entre as acções que atraem activistas e as que são eficazes, então parece-me que devemos ver se conseguimos atrair novos activistas com essas acções possivelmente não ideais e depois tentar movê-los para formas mais eficazes de activismo, talvez organizadas pelo mesmo grupo.

·         Eu também concedo que há muita incerteza sobre o que funciona, o que funciona melhor e o que não funciona. Muitas vezes não é fácil medir o impacto de certas formas de activismo. Os defensores das tácticas da DxE dirão que, mesmo que as pessoas reajam muito negativamente aos protestos no início, isso pode plantar uma semente e elas podem mudar de ideias mais tarde. Eu considero isto possível, apesar do risco significativo de alienar potenciais aliados por causa dessas acções, mas a obrigação de provar que isto é eficaz deve ser da DxE.

·         Finalmente, estou bastante receptivo à ideia de que um dia perturbações em restaurantes como esta, poderão ser bastante eficazes, mesmo que eu pessoalmente talvez nunca venha a gostar de como elas funcionam. Eu posso imaginar que num mundo onde tenhamos a maioria das pessoas do nosso lado, pode ser útil mostrar aos atrasados que estão, bem… em atraso. Mas esse tempo não é agora.

O caloroso brilho da solidariedade de grupo

Uma outra vantagem que estas acções podem oferecer – embora não sejam as únicas a fazê-lo – é dar energia aos activistas e um sentido de pertença, assim como aumentar a coesão do grupo. Deixem-me trazer Feinberg e Willer uma última vez. Quando eles são questionados sobre o que é que as pessoas ganham ao juntar-se com outras pessoas que compartilham os seus valores, esta é a sua resposta – e acho que vai fazer sentido para muitos veganos:

“Vocês obtêm muita coisa ao unirem-se a outros moralmente semelhantes que expressam julgamentos morais sobre as mesmas coisas que vocês acham que estão erradas e que devem ser condenadas, e ao encontrar a união e louvar as coisas que vocês acham que são dignas de louvor moral. Vocês podem desenvolver uma sensação de solidariedade colectiva baseada em moral, o que é uma coisa poderosa. (…) É um óptimo sentimento quando vocês se juntam com os outros com ideias semelhantes e dão por vocês a comemorar esse ponto comum que vai até às profundezas das vossas convicções. Os valores das pessoas são as suas crenças mais profundas, por definição. Elas estão dispostas a lutar e morrer para defender seus valores. E quando vocês se podem juntar com outras pessoas e celebrar esses valores e compartilhá-los, e discriminar entre vocês mesmos e aqueles que não detêm esses valores, isso pode ser uma experiência poderosamente transcendente e gerar fortes sentimentos de confiança dentro do grupo. Não é estranho nem questionável que as pessoas façam isso, que sejam puxadas para esse tipo de coisa.”

Na verdade, não é errado nem questionável procurar esses sentimentos, especialmente num mundo onde poucas pessoas concordam connosco, é normal que procuremos a confirmação de pessoas com uma mentalidade semelhante. Mas devemos ter cuidado para que o caloroso brilho do nosso activismo não nos impeça de ver o impacto real de nossas acções.

Por outras palavras, devemos ter cuidado e não confundir sentirmo-nos bem com fazermos bem.

Querem ler mais sobre estratégia vegana e comunicação? Vejam o meu livro How to Create a Vegan World.

* Embora eu esteja a citar um podcast e obviamente haja sempre alguém a falar, eu citei sempre como Feinberg e Willer, porque não consegui distinguir entre as duas vozes no podcast.

Tradução: Maria Campos
Artigo traduzido com a permissão do autor.
Artigo original: http://veganstrategist.org/2018/02/01/thinking-disrupting-meat-eaters-restaurant-read-first/