Publicado: 2019-01-27
Por Jack Norris (dietista, co-autor do livro Vegan for Life, co-fundador da organização Vegan Outreach)
Introdução Fui crudívoro nos meus vinte e tal anos História dos alimentos cozinhados Os alimentos cozinhados são tóxicos? Cozinhar
cria algumas toxinas, e neutraliza outras. Todas as plantas têm pelo
menos alguma quantidade de “pesticidas da natureza.” Não existe tal
coisa como uma dieta livre de toxinas. Dentro de uma gama de consumo
normal, as toxinas resultantes de técnicas de cozinhar moderadas podem
ser controladas sem perigo pelos mecanismos normais do corpo, e não
parecem aumentar a incidência de doenças degenerativas. Cozinhar
tem tanto consequências negativas como positivas. Cozinhar,
especialmente durante períodos longos, pode danificar algumas vitaminas.
Cozer, e cozinhar ao vapor, faz com que algumas vitaminas e minerais
saiam para fora dos alimentos. Químicos que se pensa que causam cancro
são formados quando os alimentos são queimados ou quando os óleos são
aquecidos acima do ponto de fumaça. Fritar os alimentos numa fritadeira
faz com que se formem gorduras trans. Enzimas O crudivorismo é saudável? Ortorexia BeyondVeg.com Becoming Raw Referências 1. Koebnick C, Strassner C, Hoffmann I, Leitzmann C. Consequences of a long-term raw food diet on body weight and menstruation: results of a questionnaire survey. Ann Nutr Metab. 1999;43(2):69-79. PubMed PMID: 10436305. 5. Verma AK, Kumar S, Das M, Dwivedi PD. Impacto of Thermal Processing on Legume Allergens. Plant Foods Hum Nutr. 2012 Dec 7. (Abstract) | link Tradução: Nuno Metello ________________________________________________________________
O
crudivorismo é a filosofia segundo a qual a maior parte ou toda a dieta
de uma pessoa deve ser composta por comida não cozinhada. As dietas
crudívoras são geralmente veganas e o crudivorismo vegano será o foco
deste artigo. Pelo que percebo, a tendência nos meios crudívoros nos
últimos anos tem sido dar enfase ao consumo de pelo menos 80% da tua
comida crua (por volume), em vez de 100%.
Em
1993, interessei-me por crudivorismo. Tinha estado a ter cáries nos
dentes com considerável regularidade durante os anos anteriores e um dos
meus colegas de trabalho num armazém de distribuição de uma cooperativa
de comida natural disse-me que as cáries eram causadas pelo facto de eu
comer a minha comida num estado não natural. Ele chamou-me a atenção
para o facto de os animais selvagens não cozinharem a sua comida e não
ficarem com cáries.
Por
volta da mesma altura, conheci um casal que estava bastante interessado
por crudivorismo e eles introduziram-me a muita bibliografia e deram-me
apoio moral. Tal como eu, eles também eram defensores dos animais, e
eram também bastante dinâmicos e activos, portanto eles foram modelos
aliciantes para mim.
Desde
o Outono de 1993 até 1995, eu comi 90% dos meus alimentos crus. Li
também todo e qualquer livro e artigo sobre crudivorismo que conseguisse
encontrar. Estes continham história atrás de história sobre pessoas a
curarem as suas doenças cardíacas, diabetes, cancro, e outras doenças
através dos alimentos crus.
A
dieta absolutamente fazia sentido. Uma vez que os humanos são os únicos
animais que cozinham a sua comida, teríamos de estar melhor a comer uma
dieta mais natural de alimentos crus… não teríamos?
Não
correu assim tão bem comigo. Para começar, eu tenho gordura corporal
baixa, e com a dieta crudívora perdi 4,5 quilos. Como halterofilista
regular, notei que a minha força declinou consideravelmente. Apanhei
constipações com frequência (algumas pessoas dizem que isso é o corpo a
desintoxicar; uma explicação mais plausível é que eu não estava a comer
proteína suficiente para prevenir infecções). Eu estava obcecado com
comida e a querer comer comida cozinhada. O casal que me orientou também
estava a ter dificuldades com a dieta.
Finalmente
tive de admitir que não estava a funcionar e lentamente voltei a
habituar-me aos alimentos cozinhados. Embora tenha tentado resistir, a
minha dieta foi-se tornando mais cozinhada todo o tempo. Desde 1997 eu
tenho comido a maior parte da minha comida cozinhada.
A
experiência virou-me para a ciência, tendo passado a confiar mais em
pesquisas científicas publicadas e muito menos em teorias populares e
relatos anedóticos. À medida que fui lendo mais ciência nutricional
convencional, tornou-se claro que muitas das afirmações feitas pelos
crudívoros não eram verdadeiras.
Alguns
crudívoros dizem que os humanos só cozinharam os alimentos durante um
período relativamente curto da nossa História. No seu artigo de 2003, Cooking as a Biological Trait [Cozinhar como uma peculiaridade biológica],
os antropólogos da Universidade de Harvard, Richard Wrangham e Nancy
Lou Conklin-Brittain, mencionam investigações que demonstram que:
“Cozinhar é, portanto, largamente aceite desde há pelo menos 250,000
anos atrás.” (3) Alguns indícios sugerem 1,6 milhões de anos atrás. Eles
também defendem que são necessários apenas 5,000 anos ou menos para o
corpo humano se adaptar a diferentes métodos de se alimentar. O que se
conclui é que os humanos têm estado a cozinhar há tempo suficiente para
se terem adaptado a uma dieta de alimentos cozinhados. Isto poderá
explicar o porquê de tantas pessoas que tentaram o crudivorismo não
terem sido bem-sucedidas.
A
teoria de Richard Wrangham, de que foi o acto de cozinhar os alimentos
que possibilitou aos antepassados primitivos dos humanos desenvolverem
cérebros grandes é examinada na edição de 15 de Junho de 2007 da revista
Science (Food for Thought: Did the first cooked meals helped fuel the dramatic evolutionary expansion of the human brain? [Alimento
para o Pensamento: Terão as primeiras refeições cozinhadas ajudado a
estimular o aumento evolucionário drástico do cérebro humano?]).
Ao cozinhar os alimentos, fomos capazes de os tornarmos mais
digestíveis (ao decompor-se a fibra vegetal e o tecido muscular) e
portanto de comermos mais calorias com menos esforço digestivo,
resultando num sistema digestivo mais pequeno e em mais energia para
desenvolvermos os nossos cérebros.
Um artigo de 2010, Chew on this: thank cooking for your big brain [Rumina sobre isto: agradece ao processo de cozinhar pelo teu cérebro grande], também debate o trabalho de Wrangham. Eles sugerem que os dentes molares mais pequenos do Homo erectus e do Homo sapiens possam ser consequência de se cozinhar os alimentos.
Alguns crudívoros afirmam que a comida cozinhada é tóxica ou venenosa. Um bom artigo que examina esta questão é, A Comida Cozinhada é Veneno?, por Jean-Louis Tu, que conclui:
Quanto
a vantagens, cozinhar decompõe componentes dos alimentos que de outro
modo prenderiam os minerais e impediriam a sua absorção. Pode suavizar a
fibra, o que permite que sejam consumidos mais alimentos. Cozinhar
torna alguns nutrientes, como o betacaroteno e outros antioxidantes,
disponíveis para uma absorção fácil. Cozinhar desnatura as proteínas,
essencialmente espalmando-as, o que pode ajudar a digestão. Cozinhar
desestabiliza componentes tóxicos de alguns alimentos, como as
propriedades promotoras do bócio dos brócolos. Faz com sejam mais
comestíveis que muitos alimentos. Cozinhar pode reduzir as reacções
alérgicas causadas por certos alimentos (5).
Embora
a fibra seja uma coisa boa, e a maior parte dos americanos devesse
comer mais fibra, algumas dietas veganas podem ter quantidades muito
elevadas de fibra. A fibra fornece muito pouca energia, ao mesmo tempo
que te enche por completo, e os veganos com necessidades energéticas
mais elevadas podem beneficiar de consumirem uma percentagem elevada de
alimentos cozinhados. Por outro lado, pessoas que querem perder peso
podem se favorecer ao aumentarem o seu consumo de alimentos crus, ricos
em fibra.
As
enzimas digestivas ajudam a decompor as ligações moleculares nos
alimentos. Alguns crudívoros afirmam que comer alimentos crus aumenta a
esperança de vida porque os alimentos crus contêm enzimas digestivas que
digerem os alimentos e evitam que o corpo use energia para criar as
suas próprias enzimas digestivas. Alguns dizem que o corpo tem uma
capacidade limitada para produzir enzimas e que uma vez que essa
capacidade tenha sido esgotada, tu morres.
Os
ácidos do estômago destroem a maior parte das enzimas dos alimentos
crus antes que estas possam fazer grande coisa para digerirem os
alimentos. Para mais detalhes sobre a
s enzimas e os alimentos crus, vê, Do “Food Enzimes” Significantely Enhace Digestive Efficiency and Longevety? [As “Enzimas dos Alimentos” Melhoram Significativamente o Bom Funcionamento Digestivo e a Longevidade?].
Em
vez de dizer que as pessoas vão morrer devido a uma falta de enzimas
digestivas, é provavelmente mais correcto dizer que a sua habilidade
para digerir alimentos vai diminuir com o passar do tempo à medida que a
sua habilidade para produzir enzimas digestivas diminuir. No link no
parágrafo anterior, o autor refere que há muitos outros processos
fisiológicos que têm mais a ver com o corpo a envelhecer do que com uma
falta de produção de enzimas.
Poucos
estudos examinaram qual é a percentagem de alimentos crus que irá
prevenir o máximo de doenças, e não há estudos que messam a taxa de
doenças dos crudívoros.
Muitas
pessoas que tentaram dietas crudívoras, como eu, não se deram bem,
enquanto outras parecem mais saudáveis, como o culturista Giacomo Marchese.
Os veganos crudívoros devem prestar atenção às recomendações para todas as dietas veganas, que estão resumidas na tabela, Recomendações Diárias para Veganos Adultos.
Os
crudívoros devem assegurar-se de que obtêm vitamina B12 suficiente, e
não devem fiar-se em fontes naturais tais como algas marinhas ou
alimentos fermentados. Na secção Veganos Crudívoros de Vitamina B12: Estás a apanhar?, podem ser lidos estudos que mostram que os crudívoros têm um estado pobre de vitamina B12.
Uma
preocupação importante em relação às dietas crudívoras diz respeito à
saúde óssea. O estudo mais importante até à data sobre a saúde óssea
vegana verificou que os veganos têm uma taxa mais elevada de fracturas
se não consumirem pelo menos 525 mg de cálcio por dia (vê aqui).
Eu recomendo vivamente que os veganos, incluindo os crudívoros,
obtenham pelo menos 700 mg de cálcio por dia (a Dose Diária Recomendada é
de 1,000 mg para adultos com menos de 50 anos; 1,300 mg para os adultos
com mais de 50 anos). Num estudo de 2005,
os crudívoros estavam a consumir uma média de 579 mg de cálcio por dia e
tinham uma média de densidade óssea de minerais inferior à de um grupo
de controlo de não vegetarianos (2).
Além
de o consumo de cálcio possivelmente ser um problema para os ossos, as
mulheres crudívoras frequentemente têm uma gordura corporal tão abaixo
do nível normal que não produzem estrogénio suficiente para continuarem a
menstruar, um problema associado a uma má saúde óssea. Um estudo de 1999
verificou que 30% das mulheres crudívoras devem assegurar-se de que
estão a consumir calorias suficientes para prevenirem a amenorreia (1). A
proteína pode ser um problema para muitos crudívoros. O aminoácido
lisina é bastante limitado nos alimentos vegetais com excepção das
leguminosas, e as leguminosas geralmente não são consumidas em grandes
quantidades nas dietas crudívoras. A ideia de que a proteína é
importante é frequentemente troçada nos meios veganos e crudívoros, mas a
deficiência de proteína moderada a longo prazo, poderá ter um impacto
nos ossos e possivelmente noutros tecidos importantes. Se és um vegano
crudívoro que consome menos de 100% de alimentos crus, talvez possas
querer incluir bastantes leguminosas como os teus alimentos cozinhados.
Finalmente,
a razão pela qual eu originalmente me interessei pelo crudivorismo,
para prevenir as cáries, revelou-se sem grande mérito – um estudo de
1999 verificou que os crudívoros tinham significativamente mais
desgastes dentários do que um grupo de controlo (4). Não se comendo
quantidades excessivas de fruta desidratada ou de citrinos, e
prestando-se uma cuidadosa atenção à higiene dentária, este problema
possivelmente poderia ser prevenido.
A
Ortorexia é uma preocupação para pessoas que consideram que os
alimentos cozinhados e/ou processados são tóxicos. Ortorexia é um termo
criado por Steven Bratman, MD, para descrever um distúrbio alimentar
caracterizado por um foco excessivo no consumo de alimentos saudáveis.
Em casos raros, pode levar à malnutrição grave ou até à morte. Aqui
estão dois clips de um episódio do 20/20 sobre ortorexia que deveriam
ser vistos por qualquer pessoa que esteja a considerar o crudivorismo ou
mesmo uma dieta 100% à base de produtos integrais.
Parte 1
Parte 2
Para mais informação, o BeyondVeg.com
(um site que apresenta uma crítica do dogma vegano crudívoro) criou uma
lista de estudos e sumários revistos por pares sobre dietas crudívoras.
Para pessoas que querem ser crudívoras, o livro Becoming Raw, de Brenda Davis, RD e Vesanto Melina, MS RD, é uma excelente fonte de informação.
2. Fontana L, Shew JL, Holloszy JO, Villareal DT. Low bone mass in subjects on a long-term raw vegetarian diet. Arch Intern Med. 2005 Mar 28;165(6):684-9. PubMed PMID: 15795346.
3. Wrangham R, Conklin-Brittain N. Cooking as a biological trait. Comp Biochem Physiol A Mol Integr Physiol. 2003 Sep;136(1):35-46. Review. PubMed PMID: 14527628.
4. Ganss C, Schlechtriemen M, Klimek J. Dental erosions in subjects living on a raw food diet. Caries Res. 1999;33(1):74-80. PubMed PMID: 9831783. (Abstract)
Artigo traduzido com a permissão do autor.
Original: http://www.veganhealth.org/articles/cooking
Podes ainda ver o vídeo do Dr. Michael Greger do site NutritionFacts sobre crudivorismo, Raw Food Diet Myths (Mitos da Dieta Crudívora) aqui.
E o artigo da dietista Virginia Messina sobre crudivorismo aqui.