Por Virginia Messina, dietista e activista, co-autora dos livros Vegan for life, Vegan for Her, Never Too Late to Go Vegan, Even Vegans Die, e Protest Kitchen.
Médicos na Cleveland Clinic sugerem que os veganos devem possuir algum conhecimento sobre como planear uma dieta para terem a certeza que cobrem as suas necessidades de nutrientes.
As suas conclusões foram publicadas no Journal of the American Osteopathic Association. O artigo não diz nada que seja realmente alarmante, e, com poucas excepções, não contém nada com que eu discordaria.
Mas a Cleveland Clinic fez um comunicado à imprensa sobre as suas conclusões, dando à comunicação social a oportunidade de assustar o público sobre a alimentação vegana — e sabes como eles gostam muito de fazer isso.
Como muitas vezes sucede, as manchetes não reflectiam exactamente o que estava no artigo. Para começar, não foi um “estudo”. É uma revisão muito curta, o que significa que é uma discussão de pesquisa já publicada e não dá mais nenhuma informação nova sobre a alimentação vegana. Nem o artigo diz, mesmo usando muito a imaginação, que os veganos estão provavelmente mal nutridos.
Aqui está o que os autores realmente disseram:
Os veganos que não tomam suplementos de vitamina B12 ou usam alimentos enriquecidos, irão provavelmente tornar-se deficientes.
Sim, de facto. Será que já mencionei uma ou duas ou mil vezes que os veganos precisam de se suplementar com B12 através de comprimidos ou através de alimentos fortificados? (Tal como, já agora, muitos omnívoros).
Os veganos podem consumir mais ferro que os omnívoros.
Os autores consideraram isto surpreendente, o que sugere que talvez eles não soubessem muito sobre nutrição. Os alimentos de origem vegetal geralmente têm mais ferro que os alimentos de origem animal, e alguns alimentos de origem animal — nomeadamente os lacticínios — quase não têm sequer ferro. Não é de todo surpreendente ver ingestões maiores de ferro entre os veganos.
As mulheres jovens veganas têm maior risco de anemia por deficiência de ferro do que as mulheres veganas mais velhas.
Verdadeiro e não particularmente relevante. As mulheres que menstruam perdem mais ferro do que as mulheres que pararam de menstruar. Portanto as mulheres jovens têm geralmente um risco maior de deficiência em ferro do que as mulheres pós-menopáusicas.
As jovens mulheres veganas têm maior risco de deficiência de ferro do que as omnívoras.
Os autores citaram um estudo na Tailândia para suportar esta conclusão. Mas a maior parte da pesquisa mostra que, enquanto as veganas têm reservas de ferro mais pequenas do que as omnívoras, as taxas de anemia das veganas por deficiência de ferro são comparáveis. (Isto não é uma coisa boa visto que a deficiência em ferro é comum entre as omnívoras. Aqueles que seguem qualquer tipo de alimentação, especialmente as mulheres jovens, precisam de ter cuidado com o ferro.)
Alguns veganos têm baixas ingestões de cálcio e isto pode aumentar o risco de doença nos ossos.
Eles citaram dois estudos (há muito mais estudos que observaram a ingestão de cálcio entre os veganos), e um deles foi com crianças alimentadas com uma alimentação macrobiótica restritiva nos anos 1980. Isto não é minimamente relevante para os veganos modernos que consomem uma alimentação mais liberal e que têm acesso a uma maior variedade de alimentos. O artigo também não menciona que mesmo as ingestões menores de cálcio entre os veganos podem (por vezes) traduzir-se em quantidades maiores de cálcio absorvido se grande parte do cálcio vier de vegetais crucíferos. Mas, certamente, os veganos devem assegurar-se que as suas alimentações contêm cálcio adequado.
A deficiência em vitamina D não acontece só na alimentação vegana.
Isto é um ponto importante que os críticos anti-veganos muitas vezes desconhecem. É tecnicamente possível obter a vitamina D a partir do peixe, mas não é fácil e não é sustentável. Portanto a maior parte dos omnívoros obtêm a sua vitamina D da mesma forma que os veganos — a partir de alimentos enriquecidos (nos EUA, o leite de vaca é enriquecido) ou exposição ao sol (e muitas pessoas, sejam omnívoras ou veganas, não obtêm o suficiente)
As preocupações com DHA e EPA na alimentação vegana não têm sido validadas por estudos, mas os veganos que se preocupem com isso podem tomar suplementos derivados de algas.
Basicamente é o que costumo dizer.
Nenhuma evidência mostrou que os veganos ficam deficientes em aminoácidos específicos.
Mais uma vez, isto é verdade, pois desde que os veganos incluam leguminosas nas suas alimentações, as necessidades de proteína total e de aminoácidos são facilmente satisfeitas.
Em resumo, embora seja possível que uma alimentação vegana – tal como qualquer outra – possa ficar aquém das recomendações dos nutrientes, não há nada neste artigo que sugira que uma alimentação vegana é perigosa ou que é uma má ideia.
No entanto, sim, ter conhecimento sobre as escolhas alimentares é importante. Os veganos precisam de prestar atenção a fontes responsáveis de informação nutricional; não é suficiente “comer uma variedade de alimentos vegetais integrais”. Afinal, a evolução dos seres humanos não se deu numa alimentação estritamente vegana, e poucos de nós cresceram numa cultura vegana. Satisfazer as necessidades de cada nutriente não é nem intuitivo nem automático.
É por isso que faço o que faço — continuamente perseguir os veganos para ter a certeza de que eles se suplementam com as vitaminas B12 e D, comem leguminosas, e prestam atenção ao cálcio, iodo, e gorduras ómega-3. Quando os veganos o fazem, podem satisfazer facilmente as necessidades de cada nutriente. E será cada vez mais difícil para os meios de comunicação social fingirem que a nossa alimentação é perigosa.
(Obrigado Dr. Michael Greger por me ajudar e encontrar este artigo e para a activista extraordinária Marla Rose por me indicar as histórias das notícias sobre ele.)
Tradução: João Madureira
Artigo traduzido com permissão da autora.
Original: Vegan Diets are Dangerous? Here is What Research Really Says